quarta-feira, 22 de julho de 2009

O DEMOLIDOR DE PRESIDENTES, de Marina Gusmão de Mendonça


MENDONÇA, Marina Gusmão de. O Demolidor de Presidentes: a trajetória política de Carlos Lacerda. São Paulo: Códex, 2002. 383p.

Juscelino era um "cafajeste sem escrúpulos" e "a corrupção em forma de gente". Getúlio, um "Hitler eleito por maioria relativa". Jânio, "filho de Hitler com Macunaíma". João Goulart, um "dono de cabaré em São Borja". Castello Branco, "mais feio por dentro que por fora". E o destempero não se derramava só sobre políticos. O poeta Jorge de Lima era um "proustinho sodomita". O cineasta Orson Welles, "camelô de um subpanamericanismo". Os escritores franceses Bernanos e Maurois eram "uma farândola de pulhas". O milionário jornalista Roberto Marinho era um "Al Capone da imprensa".

A profa. Marina Gusmão adverte, esta não é uma biografia standard de Carlos Frederico Werneck de Lacerda, nascido em 1915 de Maurício de Lacerda e Olga Caminhoá. A menção aos pais não é casual. Impossível entender o biografado sem eles. Maurício era brilhante. Esquerdista numa época que ninguém o era, socialista quando quase ninguém pensava em ser, na República Velha e de velhas idéias aquele homem do interior do estado do Rio propunha impostos sobre a Igreja e defendia operários. Deu ao filho o nome de Carlos Frederico em homenagem a Carlos Marx e Frederico Engels. O filho rompeu com ele aos dezessete anos, ao saber que pai tinha uma amante, e ele, um irmão quase da mesma idade. O filho admirou e odiou o pai por toda a vida.

Biografia política, este livro enfatiza o político que nesta estranha personagem se mescla com o pessoal. Carlos previsivelmente se encaminha para a esquerda. Aproxima-se do Partido Comunista. E começa uma carreira desde o princípio a pisar em pescoços. Com 18 anos derruba a diretoria do Centro Acadêmico da faculdade de Direito e lidera campanha que impediu que Alceu Amoroso Lima se tornasse professor. E surpresas: abandona a faculdade e foge do serviço militar. E de comunista se tornou baboso, raivoso conservador.

Encastelou-se em jornais e começou sua escalada, especialmente a partir de 45. Caracterizada pela defesa alternada da democracia e do golpe, sempre que interessavam um ou outro, o zelo patético contra a corrupção embora sua vida não tenha sido isenta de escândalos, e principalmente pela visão de si enquanto vítima. Por toda a vida Carlos Lacerda foi a seus próprios olhos um mártir perseguido.

Tinha quem o escutasse. Uma classe média desconfiada da indústria, do nacionalismo, do operário e de tudo o mais. Esse público e a sua mais absoluta falta de freios em ter inimigos e insultá-los fez uma carreira brilhante por duas décadas. Carlos Lacerda odiava por inteiro, sem reservas. Teve derrotas graves. Derrubara Getúlio. O Velho estava deposto. E se mata. De governante acuado, Getúlio se torna herói. E Carlos Lacerda o quase vencedor teve de fugir. Outra derrota aconteceu quando o contragolpe do marechal Lott impediu que Carlos Lacerda impedisse a posse de Juscelino.

Tinha obsessão: ser Presidente. E tinha oratória, persistência e falta de freios para isso. Surpreendentemente, não foi. A autora avança duas hipóteses. Uma, o fato dele nunca ter conseguido ampliar sua base de apoio além da classe média conservadora. Seu eleitorado de 1954 a 1964 na verdade encolheu, fazendo com que ele tivesse que radicalizar cada vez mais contra seus inimigos. E outra é que talvez levado pela própria embriaguez da oratória, ele os fizesse em excesso. Por algum tempo foi o querido dos militares. Até que chamou o Marechal Lott de “traidor cheio de remorsos”. A partir daí seu prestígio com a farda foi diminuindo.

A derrota na vitória. Em 1964 aconteceu o que sempre sonhara: um golpe que afastasse os políticos populistas do poder, os fantasmas de Getúlio que ele sempre odiara. Mas o caminho não estava aberto para outros. Os homens fardados não iriam entregar o poder se mão beijada àquele homem estranho, de palavra fácil e ódio mais ainda. E Carlos Lacerda foi cassado, silenciado, e nunca foi Presidente.

Uma vida dramática e uma biografia interessante para quem quer saber de personagens importantes do Brasil nos anos de 30 a 64.

DE LEITOR PARA LEITOR
Livro: O Demolidor de Presidentes: a trajetória política de Carlos Lacerda. de Marina Gusmão de Mendonça.
Assunto/Personagem Principal: Carlos Lacerda.

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
• Interessados em História política no Brasil no século XX
• Interessados nas vidas de Getúlio, JK, Jânio, Jango, Castello Branco.
• Interessados na história do golpe de 64
O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
• Interpretações psicológicas do biografado
• Citações de seus artigos e discursos
• Histórias de bastidores da política dos anos 1945-64..
QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 16 hs
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LI numa mesa, em posição tensa, de estudo. Exige certa atenção. Senão a quantidade de informações e personagens pode fazer com que o leitor se perca.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
• público feminino (histórias de sexualidade e família): histórias sobre a infidelidade na família de CL e a raiva que este nutria contra seu pai.
• público masculino (poder, política e economia e aventura): muito. Muito jogo de poder e ambição, envolvendo principalmente os políticos mencionados acima.
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TRECHO

“O Sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.” (Carlos Lacerda na Tribuna da Imprensa, 01/06/1950) – p115.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Voar - histórias da aviação... - de João Ricardo Penteado


PENTEADO, João Ricardo. VOAR – histórias da aviação e do pára-quedismo civil brasileiro. São Paulo: SENAC, 2001. 222p.

Livro-testemunho: propõe-se a contar histórias sobre uma atividade humana antes que os que protagonizaram essas histórias não possam mais contá-las. O instrutor de pára-quedismo João Ricardo Penteado tem quatro mil saltos no seu currículo. Começa pelos pioneiros, os grandes brasileiros que ensinaram o mundo a voar, Bartolomeu de Gusmão e o inevitável Alberto Santos –Dumont.

O livro cresce de originalidade na segunda parte, quando conta histórias de pessoas, algumas conhecidíssimas pelo pequeno círculo de quem voa, mas desconhecidíssimas para a maioria de nós. Quem já ouviu falar de Alberto Bertelli? Ou de Coaracy Oliveira? No entanto esses dois foram os maiores pilotos de acrobacia, davam nós nos seus aviõzinhos que davam inveja a mosquitos. Ou de Zayra, garota bonita que escandalizou as freiras ao usar calça comprida e voar? Foi uma das primeiras mulheres brasileiras a pilotar.

O autor divide a narrativa em blocos, tendo a própria vida como alinhavo muito solto. De menino apaixonado por aviões, depois empregado da VARIG. Depois o afastamento e reencontro com o céu, dessa vez sem motor, pelas sedas dos pára-quedas. Mas o mais interessante são as histórias dos outros. Até humorísticas, como do aluno de pára-quedismo que teve medo de saltar e só largou do avião por cansaço de segurar lá em cima, matou duas galinhas ao aterrissar e nunca mais quis saber de saltos na vida. Ou a história de Joãozinho, piloto que levava mercadoria para garimpeiros e se orientava pelos rios da Amazônia. Devia descer no quarto afluente de um grande rio. Mas o afluente não aparecia. Estava perdido. Gasolina no fim, tinha de descer na floresta. Ou no rio, como pilotos perdidos fazem. Mas não sabia nadar. Desceu nas copas das árvores,e ficou pendurado 50 metros acima do solo. O livro vira suspense, só que real.

O livro também desmistifica uma idéia que geralmente se tem, a de que militar igual a nacionalista. O autor relata como ele e outros amigos tentaram criar uma indústria brasileira de pára-quedas. E essa boa idéia foi torpedeada por militares e também civis com interesse que o Brasil continuasse importando pára-quedas. Retórica patrioteira não é nacionalismo. Coisa de não pouca monta. O Brasil é o segundo maior mercado de pára-quedas do mundo.

Enfim o livro também acompanha o pára-quedismo de uma atividade romântica feita com amor para a condição de negócio. Como tudo. E a nave vai.

DE LEITOR PARA LEITOR
Livro: VOAR - histórias da aviação e do pára-quedismo civil brasileiro, de João Ricardo Penteado.
Assunto/Personagem Principal: pára-quedismo e aviação civis.

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Interessados em histórias de aviação
Pára-quedistas e pilotos

O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Histórias de acidentes
Histórias de pioneiros aéreos
Histórias de gente interessante e pouco conhecida
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QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 7 hs
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PODE SER LIDO no metrô/ônibus, ou em filas. Não demanda muita atenção, embora em certos pontos de pico das histórias de acidentes eu tenha relido várias vezes para me assegurar dos detalhes.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
público feminino (histórias de sexualidade e família): muito pouco. Só a história das primeiras aviadoras mulheres.
público masculino (poder, política e economia e aventura): muita aventura de viagem e selva e acidentes.
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TRECHO

“Pensei numa fração de segundo: "Estamos mortos!". Era um sentimento tão definitivo que é impossível descrevê-lo. Eu nunca sentira nada igual, e nem poderia imaginar que alguém pudesse sentir aquilo. Estava além do medo, e me deixava abso­lutamente só com o meu destino. Olhei então para o Mauricio Vo1cov, que estava com os olhos colados em mim, e em seguida para a jane1a do Cessna. Ele pareceu compreender o que eu queria dizer, e, sem que tivéssemos trocado uma só palavra, fi­cou também de joe1hos, dobrou o corpo e começou a sair pela janela. Lembro-me de ter ajudado a empurrar as suas pernas, que ficaram entaladas, para fora do avião.
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Depois foi a minha vez, mas o Cessna girava tanto agora que eu sentia a minha cabeça bater varias vezes no teto, e por um momento pensei que fosse perder os sentidos. Também não acreditei que conseguisse sair pela janela. Mas não havia outra saída. A única era aquela, o único caminho da vida. Coloquei então a cabeça para fora e dei um grande impulso com o tron­co. Fui saindo com a sensação de estar escapando de dentro de um liquidificador mortal. Fora da cabine, percebi que o avião estava caindo em posição de faca. Gatinhei pela lateral dele até a altura do montante, e, entre este, e motor, saltei.” (p214)

sexta-feira, 20 de março de 2009

PARATY - encantos e malassombras, de Tom e Thereza Maia

MAIA, Tom, e Maia, Thereza. Paraty – encantos e malassombras. Guaratinguetá, SP: editora dos autores, 2005. 176p.

Você pode passar sozinho, madrugada alta, em frente à igreja de Santa Rita. Vai se surpreender de encontrá-la cheia. “Uma missa à essa hora”, você pensará. Você terá o mau senso de ficar. Você verá a missa terminar, e uma procissão será organizada. As pessoas sairão. Engraçado, quando uma multidão passa a gente sempre sente certa vibração no solo. Mas essas pessoas são tão leves. Nada vibra. Cruz à frente, a multidão sai. Em frente à igreja, uma praça. Além da praça, o mar. Passam a praça, sujam os pés na areia da praia. Você espera o momento em que a procissão se desviará. As pessoas continuam. Molham os pés, continuam entrando. E entram e entram. E fileira após fileira entram no mar e desaparecem.

É a procissão dos afogados.

O casal Maia já revirou Paraty em vários livros, mostrando uma cidade além dos cartões-postais. Este livro não fala só de fantasmas. Também trata de festas tradicionais e passeios ecológicos. Mas o forte são as histórias do outro mundo. Como a do Cabeção, que atormenta a esquina da Santa Casa e do qual só se pode fugir correndo de costas, ou a do jornalista que todas as tardes joga o molho de chaves sobre uma mesa e começa a escrever. Eles nos trazem a sensação de um mundo antes da TV, quando as histórias de aparições eram o sabor das noites. São sem trocadilho a alma daquele lugar.

De leitor para leitor
Livro: PARATY – encantos e malassombras, de Tom e Thereza Maia
Assunto/Personagem Principal: a cidade de Paraty

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Adolescentes de certa cultura
Quem gosta de contar um causo à moda antiga
Apaixonados por Paraty

O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Histórias de fantasma
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QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 4 hs
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PODE SER LIDO na cama, no ônibus, no metrô. Não exige muita concentração.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
público feminino (histórias de sexualidade e família): Muitas histórias de fantasmas. Talvez seja um livro mais para este público.
público masculino (poder, política e economia): O mesmo. Homens também podem gostar de um causo.
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TRECHO

“Na rua da Ferraria, que hoje se chama Comendador Jose Luiz,. em casa de família tradicionalmente cat6lica, uma menina loura e de olhos azuis aparece vez por outra, nos mais diferentes horários. Demonstra certa preferência pela sala de jantar.

Um religioso, que dirigia um orfanato na cidade paulista de Guaratinguetá, tinha o costume de trazer seus meninos para banhos de mar em Paraty, várias vezes hospedando-se nessa casa da rua da Ferraria.

Em certa oportunidade, o religioso indagou à dona da casa por que ela ainda não lhe havia apresentado aquela linda menina loura que costumava estar com ele na sala de jantar.

Como resposta, soube que na casa não morava nenhuma menina loura. Tratava-se, sim, de uma aparição constante, todos ignorando quem teria sido a bela menina loura, de olhos azuis, que ainda hoje ali teima em ´viver´.” (p116)

quarta-feira, 18 de março de 2009

A FERROVIA DO DIABO, de Manoel Rodrigues Ferreira


FERREIRA, MANOEL RODRIGUES. A Ferrovia do Diabo. São Paulo: Melhoramentos, 2005. 398p.

O colonialismo nasce de uma contradição: a superioridade de um povo/religião/tecnologia sobre outro e a necessidade de guiá-lo a um estágio superior. Para um grupo afirmar sua diferença, precisa se afastar. Para guiar outro, precisa aproximar-se dele. Esse choque nunca foi tão concreto como na história de uma ferrovia relativamente pequena hoje demolida situada nas franjas do Brasil e que ligava dois rios e dos quais tirou o nome.

A história da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré é tão inverossímil que só poderia ter sido inventada por um péssimo romancista. Um rio gigante, massa de água a cortar o centro da selva, chamado rio Madeira. O rio ainda com o nome de Guaporé desliza tranqüilo homens e barcos. Em certo momento, pula, e pula de novo e de novo. 400 quilômetros de cachoeira. Depois tranqüiliza, estrada líquida até o Atlântico. Dois países, Brasil e Bolívia, um com suas desprezadas bandas ocidentais e outro com suas desprezadas bandas orientais a dependerem de uma melhoria nesta passagem das cachoeiras para permitir tráfego para o oceano. No meio do século XIX alguém vem com a idéia: as mercadorias percorreriam o trecho encachoeirado de trem. Depois seriam embarcadas de novo em navios.

Só um problema: o lugar. Desconhecido ao completo: índios e piuns e carapanãs e cobras e anofelinos e a princesa e arquiduquesa e por que não verdadeira rainha do lugar, sua majestade a Malária. A selva naqueles tempos sem motosserra nem criação extensiva de gado apertava os rios e os homens. Data de 1722 a primeira passagem documentada, pelo lendário homem de meia-idade major Francisco de Melo Palheta, o homem que trouxe o café ao Brasil. Desde então mercadorias passavam, não sem algumas se perderem, e homens conduziam barquinhos pelas corredeiras, não sem alguns repousarem para sempre no fundo de pesadelos líquidos que ganhavam o nome de salto do Teotônio ou Caldeirão do Inferno.

Mas o surrealismo veio com a ferrovia. Engenheiros passavam apressados pelo rio, davam rápidas olhadelas no horizonte e faziam projetos que para serem obras de ficção bastava apenas o título. Com base em projetos onde só não se sabia a extensão, o terreno, as doenças os índios os riscos e os custos, homens eram jogados na selva. Começou em 1872. A Europa regurgitava de dinheiro e precisava aplicá-lo, mesmo em ferrovias que ninguém sabia com razoável segurança onde ficavam. Quatro construtoras tentaram. Nenhuma conseguiu, sendo que as duas últimas tiveram o talvez bom senso de sequer tentar com seriedade. O dinheiro não dava, o terreno cedia, os estômagos logo enjoavam de tanto comer conserva. Mas isso não seria nada se dentro de alguns dias o trabalhador não sentisse um forno na cabeça, de febre. Depois vinha a paralisia, começando pelas pernas e comendo o homem aos poucos. Era o que os gringos engenheiros chamavam de blackwater fever e que os romanos acharam que vinha de um ar mau, daí mal-aria. De cada dez homens, três morriam. Mais ainda ficavam inutilizados e as construtoras os demitiam.

O boom das bicicletas exigiu borracha, aquela região tinha muita e ressuscitou o interesse pela ferrovia, esporeado por uma guerra que trouxe o Acre ao Brasil. Num contrato que foi uma rosácea de roubos a construção acabou ficando com a figura sinistra do quase dono do Brasil, o multimilionário ianque Percival Farquhar. Em 1907 ele ganhou a concorrência através de um laranja. Ganhou muito dinheiro com a Madeira-Mamoré. Nunca teve a curiosidade de fazer turismo no local, entretanto. Mandou outros. Sua construtora logo se rendeu à realidade: os homens duravam três meses, não mais. Depois disso a maior parte estava inutilizada, outros já tinham escolhido as margens do Madeira como sua residência eterna. A solução era trazer mais gente. E vinham, em média 500 por mês, doentes novos que vinham substituir os doentes velhos.

E a ferrovia avançou, por quase 400 quilômetros e cinco anos. Ironia das ironias, quando concluída seu interesse tinha diminuído muito. A borracha baixara de preço e novas ferrovias chilenas e argentinas puxavam o tráfego boliviano para seus países. E ficou a ferrovia, até que o governo militar mandou liquidá-la, arrancar seus trilhos, queimar seus arquivos e vender as locomotivas como sucata. Felizmente o jornalista Manoel Rodrigues Ferreira pôde escrever este livro antes.

Hoje, gente interessada em preservação da história tenta salvar o que resta da Ferrovia, em grande parte motivados por este livro. Quanto às cachoeiras do Madeira, novos governos, novos empreiteiros a desejarem novos lucros querem afogá-las debaixo de barragens, uma obra denunciada como nova irresponsabilidade, dessa vez ecológica.

Fica a lição: o desconhecimento. Homens de fora, desinteressados na terra, colonizadores, a quererem lucro com ela. E a sofrerem ou fazer peões sofrerem a sua suave vingança, quer esta venha por febre alta ou algum desastre da ecologia.

De leitor para leitor
Livro: A FERROVIA DO DIABO, de Manoel Rodrigues Ferreira
Assunto/Personagem Principal: Estrada de Ferro Madeira-Mamoré

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Curiosos sobre história da Amazônia
Interessados em histórias de viagens e aventuras
Quem gosta em geral de trens

O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Uma história bem seqüenciada, com poucos saltos.
Muita aventura de gente cortando mata virgem a facão
Escândalos financeiros
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QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 15 hs
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PODE SER LIDO na escrivaninha, ocasionalmente na cama. Exige certa atenção.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
público feminino (histórias de sexualidade e família): muito pouco
público masculino (poder, política e economia): muita aventura de viagem e selva. Muitas revelações sobre como se fazem obras e contratos no país.
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PONTO FRACO:
O autor perde algumas dez páginas teorizando as causas do desenvolvimento industrial, o que não cabe num trabalho destes.



TRECHO

“Em Londres, todos os passos da operação financeira haviam sido minuciosamente estudados. Nenhum detalhe fora omitido. Tudo, mas sobre a operação financeira, bem entendido. Porque do terreno onde seria construída a ferrovia ninguém sabia nada. Absolutamente nada. Ninguém, até aquele momento, havia percorrido o terreno adjacente às cachoeiras, em toda a sua extensão, a fim de ao menos o conhecer superficialmente. Ninguém sabia o que se escondia atrás da pujante floresta amazônica que se divisava das cachoeiras do Madeira. Não se sabia se era terreno montanhoso, plano e enxuto, ou alagado. A ignorância sobre a zona que a ferrovia deveria atravessar era completa. Não se sabia nem qual a extensão ao menos aproximada que teria a futura estrada de ferro. Nenhum engenheiro boliviano ou brasileiro fora chamado para opinar sobre a construção. E naquele mês de janeiro de 1872, tudo na praça de Londres estava concluído, para ser dado início aos trabalhos da construção.” (p80)

sexta-feira, 13 de março de 2009

Narrativa de Serviços no Libertar-se o Brasil da Dominação Portuguesa - de Thomas Cochrane


COCHRANE, Thomas John. Narrativa de Serviços no Libertar-se o Brasil da Dominação Portuguesa. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003. 276 p. (Edições do Senado Federal, vol. 16).

UM QUASE ESTUDO SOBRE A AVAREZA

Este não é um livro de memórias, é uma fatura. Uma conta apresentada para pagamento. Se quisermos ser chulos, uma choradeira por dinheiro. Nossas crianças na escola aprendem que um certo Lord Cochrane ajudou Dom Pedro I na Independência, comandando navios. Não são avisados de que ele veio aqui apenas fazer dinheiro, e fez muito, e por toda a vida quis mais.

Thomas John Cochrane nasceu em 1775 na Escócia. Era também Conde de Dundonald , Barão de Paisley e de Ochiltree. Com dezoito anos entrou na Marinha inglesa. Brigou com seus superiores, perdeu o emprego. O azar foi sua sorte. Passou a alugar seus talentos de matador marinho a quem pagasse mais. E havia mercado. Lá longe na América do Sul colônias exploradas até a última gota queriam virar países. E tão exploradas eram que sequer tinham marinheiros, tendo de contratar guerreiros pagos. E lá foi ele. Matou espanhóis a mando dos peruanos e chilenos nas lutas de independência desses países.

Ainda era empregado dos chilenos quando soube da grande oportunidade. Um príncipe europeu depois de longa hesitação tinha decidido fazer um reino próprio na América. Precisava combater os inimigos dessa idéia. Para isso precisava de uma Marinha. E para comandá-la precisava de um Almirante.

Cochrane exigiu condições de príncipe, e cada promessa a mais vaga era cobrada por ele com liquidez de um cheque. Pagamento do salário de almirante; salário de primeiro almirante, título que não existia, criado só para ele; indenização pelo que perdera ao deixar seu emprego na Marinha do Chile; a totalidade dos barcos apreendidos, a serem divididos entre ele e os marinheiros; as mercadorias nos respectivos barcos; as mercadorias que apreendera em terra; bônus por serviços extras que alegara ter feito; terras que lhe dessem renda para manter as honras adequados ao título de Marquês do Maranhão, que lhe fora concedido; pensão pelo resto da vida, inclusive para sua mulher. E nada, literalmente nenhum centavo foi esquecido. Escreveu esse livro em 1859, muitos anos depois dos fatos, às vésperas de morrer, para pedir dinheiro.

Entre uma ou outra reclamação sobre dinheiro o livro dá informações preciosas sobre nossa independência. Como Dom Pedro inicialmente era pouco mais que governador do Rio; o conflito entre os Andradas e seus inimigos; a importância que o Maranhão tinha no contexto da época; o bloqueio ao porto de Salvador e as razões do dois de julho, que na Bahia é considerado o dia da Independência. Claro, tudo isso a ser cotejado com outras fontes a distinguir o que é fato do que é interesse do nosso Almirante de fazer dinheiro. O livro elogia os Andradas, talvez porque os Andradas fossem a favor dele, e os inimigos dos Andradas o vissem com suspeição. O Maranhão é muito elogiado talvez para sustentar seus pedidos de prêmio por ter garantido a permanência desta província no Império.

Não recomendo o livro para quem quer ler por diletantismo, por diversão. Dois tipos de público ganham com a leitura deste livro: (a) fanáticos por história do Brasil, particularmente de sua independência; (b) interessados em psicologia, para conhecer um caso quase cômico de obsessão por dinheiro.

A propósito, seus herdeiros receberem muito do que ele pleiteou, depois de sua morte. No Brasil os estrangeiros sempre são bem remunerados.

DE LEITOR PARA LEITOR

Livro: Narrativa de Serviços no Libertar-se o Brasil da Dominação Portuguesa, de Thomas John Cochrane.
Assunto/Personagem Principal: Thomas John Cochrane.

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Interessados na história da Independência do Brasil.
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O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Fatos pouco conhecidos sobre as lutas que se seguiram à Independência do Brasil.
Histórias por trás de certos fatos e personagens bem conhecidos, como José Bonifácio e o dois de julho na Bahia e a conquista do Maranhão.

QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 12 hs
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DEVE SER LIDO em escrivaninhas, poltrona ou na cama. Exige alguma atenção.

O QUE ESTE LIVRO MAIS TRAZ PARA VOCÊ:
Uma visão nova de como sem deu a Independência.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
Público feminino (histórias de sexualidade e família): quase nada
Público masculino (poder, política e economia): histórias de marinha; histórias sobre as batalhas da guerra de Independência.

TRECHO

“Viu Sua Majestade Imperial que, sem armada, o desmembramento do Império – pelo que respeitava às províncias do Norte – era inevitável; e a energia do seu Ministro Bonifácio em preparar uma esquadra, foi tão louvável quanto o havia sido a sagacidade do Imperador em determinar que ela se criasse. Entrou-se com entusiasmo numa subscrição voluntária: bandos de artífices correram aos arsenais; a única nau de linha no porto requeria quase ser de todo reconstruída; mas o tripular de maruja nativa esse e outros vasos prestáveis era cousa impossível – havendo sido política da mãe pátria o fazer até o comércio de cabotagem por meio exclusivamente de portugueses, nos quais o Brasil agora não se podia fiar para a luta que se aproximava com os compatriotas dos mesmos.” (p36)

terça-feira, 10 de março de 2009

O Brazil Acreano, de Antônio José Souto Loureiro

LOUREIRO, Antônio José Souto. O Brazil Acreano: scenas de uma épocha. Manaus: Ed. do autor, 2004. 175p.

O Acre dava lucro. Certo, existiu a chamada Revolução Acreana, a figura cômica de Luiz Galvez e a figura heróica de José Plácido de Castro. Mas alguém colocou esses heróis lá. Alguém que desejava dinheiro. O Acre foi formalmente arrancado à Bolívia em 1903. No ano seguinte a União organizou formalmente o novo território em três prefeituras. Um certo general subiu o rio Purus, depois o afluente Iaco e fundou a sede de uma das prefeituras, com o nome de um herói da guerra do Paraguai que nunca suspeitou que o Acre existia chamado Sena Madureira.

O médico e membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas Antônio José Souto Loureiro nos traz a história dos inícios do município de Sena Madureira através de uma fonte única, os jornais da cidade, especialmente o Brasil Acreano. A ligação do autor com as fontes não é só intelectual. É neto de Antônio Pinto do Areal Souto, cearense de Independência e poeta, num Acre em que mais da metade da população era de cearenses, um fato incomum considerando-se os cinco mil quilômetros de distância entre os dois lugares.

Treinados para o autodesencanto, desconhecemos as pessoas interessantes que viveram neste país. Este livro revela um, o capitão Samuel Barreira Cravo, prefeito interino de Sena Madureira e homem que já em 1909 reuniu congresso para diversificar a economia da Amazônia e estudar de perto a concorrência da borracha plantada no Ceilão. O governo federal não fez nada e quando um par de anos depois o preço despencou, declarou-se surpreso. Surpresa nada, inoperância sim.

O Acre e Sena Madureira podem hoje ser fins-de-mundo. Não o eram. Em 1910 a cidade tinha a mesma renda per capita da Bélgica. Mil quilos de borracha valiam vinte quilos de ouro. A cidade financiava o resto do país. O governo só gastava na cidade um oitavo do que arrecadava lá. O resto – quase tudo – ia para Rio e São Paulo.

A guerra valeu o gasto: de 1904 a 1909 os impostos arrecadados quase igualaram os gastos do governo com o Acre, incluindo pagamentos à Bolívia, despesas com tropas e indenizações diversas. Guerras são de honra, religião e raça. Para uso externo. Na prática, guerras são Money. E a guerra do Acre deu muito dinheiro. Como sempre, para poucos. Mas o dinheiro que fixou era suficiente para financiar advogados, jornais e poetas em número estratosférico para cidade tão pequetita. O poeta Quintino Cunha e o intelectual Soares Bulcão trabalharam por lá. José Pedro Soares Bulcão é pai da atriz Florinda Bolkan.

Um pequeno livro que revela um microcosmo de nosso país. Oriundo de uma fonte só, e este é o seu senão: baseia-se quase que exclusivamente em jornais. Mas um livro a ser lido por quem se interessa pela aventura amazônica.







DE LEITOR PARA LEITOR

Livro: O Brazil Acreano: scenas de uma épocha, de Antônio José Souto Loureiro.
Assunto/Personagem Principal: Sena Madureira, cidade do Acre na época do ciclo da borracha.

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Acreanos.
Pessoas interessados na história do Acre.
Interessados no ciclo da borracha.
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O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Fatos pouco conhecidos sobre a riqueza do tempo da borracha.
Conflitos e revoltas virtualmente desconhecidos.
Nomes de pessoas que tiveram destaque noutros estados, na nossa história, e estavam lá presentes.

QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 6 hs
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DEVE SER LIDO em escrivaninhas, poltrona ou na cama. Exige alguma atenção.

O QUE ESTE LIVRO MAIS TRAZ PARA VOCÊ:
Uma visão nova da região Norte, como região que teve muita riqueza.
Nova visão da imprevidência do Estado brasileiro, na questão da borracha.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
Público feminino (histórias de sexualidade e família): quase nada
Público masculino (poder, política e economia): histórias sobre o esplendor da Borracha.


TRECHO

“A paz interna foi restabelecida, no dia 25 de agosto de 1909, ao menos temporariamente, coma auspiciosa notícia de que a borracha atingira o admirável preço de 11$300, por quilograma, prometendo não parar por aí, o que de fato aconteceria, até abril de 1910, face à especulação altista das bolsas de Londres e Nova Iorque, fomentadas pelo governo inglês, para arrecadar os capitais necessários ao fortalecimento das plantações do Oriente.” (p27)

sexta-feira, 6 de março de 2009

Cuiabá - paisagens e espaços da memória, de Sônia Regina Romancini.


ROMANCINI, Sônia Regina. Cuiabá – paisagens e espaços da memória. Cuiabá: Cathedral publicações, 2005. (Coleção Tibanaré, vol 6). 176p.

Um livro sobre a história urbanística de Cuiabá pode nos ensinar a enxergar algo melhor em todas as cidades? Ou em nossa vida pessoal? É livro que se pode dizer despretensioso. Historia a capital do Mato Grosso, depois escolhe pontos significativos dela e prossegue baseado em pesquisas sobre como os habitantes locais percebem a mutação de seu espaço.

Cuiabá nasceu singular. De um riacho acarpetado de pó de ouro que um certo paulista descobriu em 1719. À beira do riacho nasceu uma povoação e uma igreja, de São Benedito, até hoje existente. Depois a estagnação econômica, fazendo-a por séculos parecer uma aldeia do Minho. No começo do século XX, o afrancesamento, as lojas de nome parisiense. As boas famílias e a ocupação social dos espaços públicos. Pelo meio do século, a prioridade desta nova engenhoca, o automóvel. A falta de esgoto transformando os riachos em esgotos, inclusive o riacho fundador. As autopistas ocupando as margens de rios impermeabilizando o solo e aumentando a temperatura. A prioridade da multiplicação de capital destruindo os prédios antigos e aumentando os gabaritos. O conforto dos automóveis exigindo mais asfalto e aumentando mais ainda a temperatura, junto com arrancamento de árvores. A população se fechando em casa e abandonando os espaços públicos, tomados por camelôs e doados pelo poder público a diversos fins particulares e governamentais. Finalmente a revalorização dos cacos do que restou, com a criação de centros históricos, leis de tombamento e centros culturais.

Podia ser a história de qualquer cidade do país. Somos muito parecidos. Ridiculamente parecidos. E não só as cidades. O trecho citado abaixo explica bem. Somos todos iguais, movidos a Macdonald’s e subordinados a juros de banco, todos nós, homens e cidades. A recente busca do passado é uma busca da singularidade. A história do riacho Prainha que em meio século se transformou de riacho fundador em esgoto soterrado sob uma avenida de pista quádrupla é a mesma história do Anhangabaú paulista, do Carioca do Rio, do Pajeú de Fortaleza, qualquer. E a busca da singularidade pode ser perigosa. Pode ser: sou singular porque sou branco / por que sou católico / por que sou negro / por que sou gaúcho. A singularidade pode ser excludente.

A prioridade a uma minoria da população que detém poder político e tem dinheiro para conseguir recursos muitas vezes públicos para construir prédios; a manipulação dos recursos públicos para construir infra-estrutura para esse lucro pessoal; o desrespeito ao não possuidor de carro, obrigado a se apertar em calçadas esburacadas; a privatização do lazer e dos espaços de convivência, tudo o que vemos está sempre ali, em microcosmo. Livro quase para especialistas mas que pode ter leitura ampla para quem se interessa pela cidade onde mora.

DE LEITOR PARA LEITOR

Livro: Cuiabá: paisagens e espaços da memória, de Sônia Regina Romancini.
Assunto/Personagem Principal: Cuiabá – sua história urbana.

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Mato-grossenses.
Pessoas interessados na história de Cuiabá.
Interessados na evolução urbana das grandes e médias cidades brasileiras.
Interessados no efeito dos automóveis e da especulação imobiliária nas cidades.
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O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Uma evolução histórica bem delineada.
Opiniões populares sobre esta evolução.

QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 6 hs
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DEVE SER LIDO em escrivaninhas, poltrona ou na cama. Exige alguma atenção.

O QUE ESTE LIVRO MAIS TRAZ PARA VOCÊ:
Possibilidade de fazer paralelos com a evolução da sua cidade.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
Público feminino (histórias de sexualidade e família): sobre a piora na qualidade de vida das grandes cidades e perda dos laços afetivos de vizinhança.
Público masculino (poder, política e economia): histórias sobre a própria evolução urbana e a especulação imobiliária.

TRECHO

“Numa abordagem sobre a memória das cidades, Abreu salienta que, ante os acontecimentos do século XX, com os progressos técnicos e científicos, as guerras, a fome, entre outros, as sociedades buscam novas visões de mundo, vivendo mais o presente, desconfiando do futuro e revalorizando o que construíram em tempos passados

Segundo Abreu, ante a homogeneidade do espaço global, cada lugar procura na singularidade a sobrevivência e a individualidade, sob esse aspecto:

O passado é uma das dimensões mais importantes da singularidade. Materializado na paisagem, preservado em ‘instituições de memória’, ou ainda vivo na cultura e no cotidiano dos lugares, não é de se estranhar, então, que seja ele que vem dando o suporte mais sólido a essa procura de diferença.” (p58)

terça-feira, 3 de março de 2009

PANTANAL - Gente, tradição e história, de Augusto César Proença.

PROENÇA, Augusto César. Pantanal: gente, tradição e história. 3ª Ed. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 1997. 168p.

O pesquisador corumbaense Augusto César Proença nos traz um livro de nome inadequado. Não se trata de um ensaio amplo sobe o pantanal mato-grossense. Melhor seria chamá-lo uma história afetiva de uma parte do Pantanal, e da família que o ocupou, a família do autor.

O livro se divide em duas partes. A primeira, até a pg. 59, é uma rápida história Standand de Mato Grosso. A segunda parte é melhor.

O Pantanal não é uno. Divide-se em nomes quase humorísticos, como o pantanal de Barão de Melgaço, ou o de Nagileque. Noutros países as pessoas são imortalizadas por seus sobrenomes. Já o seu Nheco nunca imaginou que seu nome seria esquecido, mas seu apelido entraria para a geografia: pantanal da Nhecolândia.

Região maior que Sergipe. Seu Nheco foi o dono dela, inteirinho, de 1880 a 1909. Mas não se o pense como um coronel clássico e aí vem o interesse do livro. A história da Nhecolândia começou com a chegada de um certo português Leonardo Soares de Souza em 1769. Fracassou nos negócios e pediu terra. Terra era muita, não valia nada. Por muito tempo ninguém imaginaria em colocar hotéis ecológicos num lugar que ninguém chamava então de paraíso da natureza. Era só terra de tuiuiús, jacarés e outros bichos que não serviam para nada, boa apenas para criar gado extensivo. E o preço da carne rastejava, quase zero. Seu genro João Pereira Leite fundou a Fazenda Jacobina, quase auto-suficiente, visitada pelo estrangeiro Hercules Florence em 1827.

João Pereira Leite abrigou o Dr. Sabino, revoltoso derrotado da República Bahiense, e esta amizade com um inimigo do Imperador lhe tirou o Baronato.

João Pereira Leite só tinha uma filha. E essa fugiu com Joaquim José Gomes da Silva, um caixeiro-viajante filho de um padre. Mesmo casados, tiveram de morar longe. Conseguiram terras – as terras não valiam nada. O Imperador tornou Joaquim José Gomes da Silva o Barão de Vila Maria, atual cidade de Cáceres. Até que veio esse desastre conhecido como Guerra do Paraguai. Todo mundo afrouxou. Os comandantes de Corumbá e do Forte de Coimbra fugiram dos paraguaios. O mesmo fez o nosso Barão, que fugiu para o Rio.

Morreu e seu filho Joaquim Eugênio Gomes da Silva sem dinheiro subiu os rios em barcos movidos a um pau que bate no fundo do rio chamado zinga e alguns índios e a esposa atrás dos restos da fazenda do pai. Encontra e funda a Fazenda Firme. Chama uns parentes, dá terras. A carne de gado era tão barata que eles vendiam só o couro para os comerciantes estrangeiros em Corumbá, para comprarem tecidos e o pouco que não produziam. Era uma vida difícil, até pelos ataques das onças.

A pobreza espalhou uma família por um território maior que Sergipe e que ganhou não o nome de Joaquim Eugênio, mas seu apelido: seu Nheco.

Os grandes ausentes dos livros são os índios. Será que a Nhecolândia era realmente vazia de gente? Não havia um ser humano lá? Nesse, caso, qual a atitude da família do autor diante deles?

O livro resgata um tempo em que a terra só tinha valor de uso, não valor de troca. O mesmo para a carne. Assim alguém dono de terras do tamanho de um estado era bem menos rico que se pensaria. E O autor menciona a solidariedade entre todos, naquele tempo. Quando o preço da carne subiu, a solidariedade sumiu. Sic Transit.


De leitor para leitor

Livro: Pantanal: gente, tradição e história, de Augusto César Proença.
Assunto/Personagem Principal: parte do Pantanal Mato-grossense – a Nhecolândia.

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Mato-grossenses e sul-mato-grossenses.
Muito interessados em história do Pantanal..
Historiadores marxistas procurando exemplos em que sua teoria se encaixa.
É livro para pessoas com interesse específico na região ou para fanáticos por história do Brasil (caso deste resenhista)
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O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Boas histórias da vida tradicional no Pantanal.

QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 4 hs
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PODE SER LIDO em ônibus/metrô ou em filas em pé. É livro para ler rápido.

O QUE ESTE LIVRO MAIS TRAZ PARA VOCÊ:
Informação sobre o Pantanal no século XIX.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
público feminino (histórias de sexualidade e família): sobre os perigos que as crianças corriam no mato. Sobre a fuga de uma moça e um rapaz para casar escondido do pai.
público masculino (poder, política e economia): histórias sobre a economia da época, a chegada dos grandes comerciantes a Corumbá e a evolução familiar da região.


TRECHO


“Daí chegou a vez do Lopes, que retirou a camisa e, por detrás de uma forquilha que um pé de maminha de porco formava, abanou a camisa feito toureiro e desafiou a onça a partir em cima dele. A fera atacou, mas teve o azar de esbarrar na forquilha que protegia o vaqueiro. Armou o pulo. Ficou de pé e abraçou a forquilha e a camisa xadrez que o vaqueiro lhe abanava para dar tempo de, entre os dois paus da forquilha, bem no rumo do coração, enfiar a faca com toda a raiva daquele momento, para que a fera abraçasse e cravasse a lâmina no fundo do peito, soltando um só gemido e caindo de lado para estrebuchar e receber as mordidas dos cachorros, estatelada naquele chão manchado de sangue” (p112).

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O BRILHO DA SUPERNOVA, de Geraldo Mártires Coelho



COELHO, Geraldo Mártires Coelho. O Brilho da Supernova: a morte bela de Carlos Gomes. Rio de Janeiro: AGIR, 1995. 184p.


Carlos Gomes estreou sua ópera o Guarany no Scala de Milão no começo de 1870 e ganhou lugar entre os maiores da música européia. Mais apoteótica ainda foi a estréia no Rio, no mesmo ano, no dia do aniversário do Imperador (02/12) para o próprio e para uma elite ansiosa de ver o país se reafirmar depois da guerra contra o Paraguai. A partir daí começou sua mitificação. Morreu em Belém, em setembro de 1896, quatro meses depois de ter sido recebido nesta cidade com honras de um deus. Ou de um gênio.

O livro não é sobre a vida de Carlos Gomes mas sobre sua morte. Carlos Gomes já estivera em Belém em 1882 e 1883, em ambas recebido como mito. Mito é a palavra chave, assim como herói, ou gênio. A exaltação do gênio, da morte do gênio, é resultado do cruzamento de duas linhas de pensamento e interesse inicialmente díspares, o Romantismo e o Positivismo. Este último com sua mórbida exaltação dos mortos. Sintetizada em sua frase-slogan “Os vivos são cada vez mais e mais governados pelos mortos”, da qual o positivista e folgazão Barão de Itararé fez a adaptação “Os vivos são cada vez mais e mais governados pelos mais vivos”. O romantismo em sua exaltação da pátria, da natureza, e do gênio como força da natureza.

A exaltação aos mortos começou com a Revolução Francesa, que transformou uma igreja no Pantheon para celebrar seus mortos ilustres. E continuou depois da derrota de 1870 para a Prússia. Em pouco mais de 40 anos mais de centena e meia de bustos foi inaugurada na cidade. Era o culto ao herói. Que atingiu um paroxismo nas exéquias de Vítor Hugo em 1885, que duraram mais de dez dias.

Lauro Sodré contratou Carlos Gomes. Era o presidente do estado do Pará. Positivista, republicano. Já sabia que o maestro estava mal. Financeiramente e de saúde – tinha um câncer na língua. E foi o grande responsável pelas exéquias de herói que Carlos Gomes teve. Bem dentro do impulso de criar heróis para consolidar a República – apesar de Carlos Gomes ser monarquista impenitente.

Um livro sobre como se constroem os gênios.

De leitor para leitor

Livro: O BRILHO DA SUPERNOVA, de Geraldo Mártires Coelho.
Assunto/Personagem Principal: Carlos Gomes

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Interessados em positivismo.
Interessados na ideologia cultural chamada Romantismo.
Interessados na história do Pará.
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O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Boa exposição das ideologias positivista e romântica.

QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 5 hs
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PODE SER LIDO em ônibus/metrô ou em filas em pé.

O QUE ESTE LIVRO MAIS TRAZ PARA VOCÊ:
Informação sobre o ambiente cultural da segunda metade do século XIX.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
público feminino (histórias de sexualidade e família): alguns detalhes da vida de Carlos Gomes, seu sucesso popular.
público masculino (poder, política e economia): histórias sobre o Romantismo e o Positivismo (coisas para um público mais culto).


TRECHO

“É o caso do mito do gênio no tecido mental do romantismo, manifestando uma potência absoluta, para além das possibilidades da apreensão racional, e cuja demiurgia revela-se pelo ato da criação intuitiva, original e predestinada. Entidade armada do dom natural, “o gênio tornou-se, no Romantismo, o mediador entre o Eu e natureza exterior”. Indefinível, insubmisso, abrigando as potências mais submersas do espírito e revelando o que emerge do mais profundo do inconsciente, “o gênio é o Kraftsmensch, o homem habitado pela força da natureza, que faz dele um demiurgo apto a manifestar todas as suas possibilidades, o infinito da pulsação cósmica que traz consigo e que o anima.” p21.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

MÁRIO FAUSTINO, uma biografia, de Lília Silvestre Chaves.

CHAVES, Lília Silvestre. Mário Faustino: uma biografia. Belém: SECULT, 2004. 400p.

Mário Faustino foi cometa, para usar uma metáfora gasta que ele não utilizaria. Em trinta e dois anos veio, escreveu, traduziu, movimentou a poesia de um país do terceiro mundo e espatifou-se contra a cordilheira dos Andes num acidente aéreo no final de 1962. A profa. Lília Chaves escreveu biografia sensível. Registra suas impressões ante as fotografias do poeta, os olhos de impressão química a fitar os seus e os olhos do leitor, pois o livro é bem ilustrado. Os passos do poeta pouco antes do vôo para os Estados Unidos com escala em Lima são seguidos com um cuidado tornado denso pois todos sabem o que acontecerá.

Depois a biografia se torna cronológica. O nascimento em Teresina, na qual passou pouquíssimo tempo. Se Faustino pode ser reivindicado geograficamente, ele é paraense. Lá arranjou emprego de cronista de jornal aos dezoito anos, lá um professor o convenceu a ser poeta. E a primeira poesia já foi de nível, nada de pé quebrado. O amor pela língua inglesa recompensado por uma bolsa de um ano nos Estados Unidos. Esta estadia o ensinou a ler e estudar, como profissional. Depois o emprego público, na antiga Superintendência para a Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) sob a égide de seus amigos o historiador Arthur César Ferreira Reis e o filósofo Benedito Nunes. E a ida ao Rio, trabalhar na Escola Brasileira de Administração Pública e no jornalismo. Torna-se editor cultural do Jornal do Brasil.

O Brasil jusceliniano fervia e os concretistas lideravam a fervura no lado da poesia. Faustino conseguiu a proeza de ser um não-concretista respeitado pelos próprios, que depois de sua morte o consideraram o último-fazedor-de-versos. A biógrafa enfatiza a vida pessoal, a homossexualidade assumida, a paixão pelo aprendizado de línguas. Vários poemas são reproduzidos.

Curioso que quatro décadas se passaram antes que alguém se interessasse em contar essa vida. Um bom achado. Uma boa contribuição para mostrar um brasileiro competente no que fazia.

De leitor para leitor

Livro: MÁRIO FAUSTINO, uma biografia, de Lília Silvestre Chaves.
Assunto/Personagem Principal: o poeta Mário Faustino

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Interessados em poesia brasileira.
Interessados na história cultural do Brasil dos anos 50
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O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Poesias do autor
Uma narração quase poética da vida de um poeta

QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 10 hs
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PODE SER LIDO na escrivaninha e na cama. Exige um pouco de atenção, sendo inadequado para ser em ônibus/metrô ou em filas em pé.

O QUE ESTE LIVRO MAIS TRAZ PARA VOCÊ:
Informação sobre o ambiente cultural dos anos 50.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
público feminino (histórias de sexualidade e família): a relação de Faustino com a família e sobre sua homossexualidade.
público masculino (poder, política e economia): histórias sobre a poesia dos anos 50.
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TRECHO

“E à pergunta de um hipotético leitor – ´De que precisaria a poesia brasileira?´ - Mário Faustino respondeu prontamente:

´A poesia brasileira precisa de dinheiro. Precisa de uma estrutura econômica estável como alicerce. Precisa de que o Brasil seja rico e autoconfiante e independente em todos os sentidos. Precisa de universidades, enciclopédias, dicionários, editores, cultura humanística, museus, bibliotecas, público inteligente, críticos de verdade, agitação, coragem. Precisa de contar com uns poetas que leiam grego, com outros perseguidos pela polícia e com uns terceiros que leiam provençal e ameacem a sociedade. Isso sem contar com uns dois ou três cuja poesia fale à alma do povo´”. (p265)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Um Diplomata na Corte de Inglaterra, de Renato Mendonça


MENDONÇA, Renato. Um diplomata na Corte de Inglaterra: o Barão do Penedo e sua época. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2006. IV + 444 p. (Edições do Senado Federal, vol. 74).

O diplomata Renato Mendonça escreveu este livro em 1942 para a lendária Brasiliana e de certa forma cumpre final do subtítulo, e sua época. Não por intenção mas pela própria trajetória do biografado. Francisco Inácio de Carvalho Moreira nasceu em 1815 numa cidade que a maioria dos brasileiros teria dificuldade de localizar no mapa, a alagoana Penedo. Filho de senhor de Engenho. Vai estudar direito nas recém-criadas Faculdades de Direito de Olinda e depois a de São Paulo. Seus colegas são João Maurício Vanderlei, Holanda Cavalcanti, Nabuco de Araújo, Sininbú, Otaviano... Alguns mineiros, um ou outro paulista, quase todos nordestinos, quase todos dependentes de vendas de açúcar, todos devendo sua riqueza aos negros que trabalhavam de graça para criá-la.

Elite pequena, o livro repete os mesmos nomes, ascendendo na hierarquia do Império. Tempo de um Brasil sem descendentes de migrantes, sem sobrenomes italianos ou alemães. Esse é um aspecto esquecido que o livro sublinha. E também nos lembra que essa elite açucareira e escravista constituía as pernas do trono. Quando elas pegaram cupim, o Imperador pegou o paquete para o exílio.

Um dos primeiros advogados formados no país, um dos fundadores da OAB, Carvalho Moreira casa-se na elite com Carlota Emília de Aguiar e Andrada, a Carlotinha, sobrinha de José Bonifácio. Elege-se deputado junto com quase todos os seus amigos mas passa pouco tempo. Logo o governo o nomeia embaixador nos Estados Unidos. Só voltaria a morar no Brasil 48 anos depois.

Nessa carreira diplomática passou por só três postos, dos quais dois por pouco tempo. Ele foi na prática nosso embaixador em Londres (na época esse cargo se dizia Ministro). Ficou lá até quase o fim do Império.

O maior mérito do livro é não esconder as partes cinzas do biografado. Os rapazes ricos e açucareiros e escraveiros que dominavam o Império gostavam de mulher, pagavam prostitutas. Carvalho Moreira escreveu um certo poema As idades da Mulher que desafiam a nossa idéia de que o pessoal de antigamente era puritano. Trecho:

Aos quinze anos é gentil cofrinho/que só se abre forçando a fechadura.
Aos vinte é a mulher mato espinhoso/onde entra o caçador fuzil armado.
Aos trinta é bocado mui gostoso/bem tenro e ao espeto preparado.

Traía Carlotinha. Guloso de mulher, era conhecido como o Leão do Rio. Teve filho fora do casamento.

O principal aspecto cinza não era esse. A embaixada em Londres por muito tempo acumulou a função de tesouraria fora do país. Tinha a função de contratar empréstimos externos. Função propícia para corruptos: muito dinheiro, que seria pago por outros, numa terra longe, com pouco controle. E Carvalho Moreira se tornou um deles. Temos que até ser gratos a Renato Mendonça por não ter escondido esse aspecto pouco nobre, apesar de tentar defender seu biografado. A cada dívida que ele negociava para o Brasil, ficava um pouco mais rico. O próprio biografado declarou ter embolsado duzentas mil libras em comissões.

Gastava o dinheiro promovendo jantares em sua mansão a que comparecia ninguém menos que o herdeiro da coroa, o Príncipe de Gales, o futuro Eduardo VII e bisavô da atual rainha. Também a mulher deste, a dinamarquesa Princesa Alexandra, por quem um rapazola especializado em amores platônicos caiu apaixonado, Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, o futuro lendário abolicionista Joaquim Nabuco. E tome príncipes e duques e aristocratas europeus comendo à custa de nosso diplomata. Na verdade, à nossa custa.

Ganhou do Imperador o título relativo à sua cidade natal, Penedo, hoje um belo lugar histórico. Já rico, enriqueceu mais com o cargo. Mas morreu pobre, diz Mendonça sem maiores provas.

Um retrato de época.

De leitor para leitor

Livro: UM DIPLOMATA NA CORTE DE INGLATERRA, de Renato Mendonça.
Assunto/Personagem Principal: Francisco Inácio de Carvalho Moreira, o Barão do Penedo

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Interessados na história do Império.
Interessados na história da Diplomacia Brasileira
Interessados na história das Finanças Brasileiras.
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O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Curiosidades sobre a elite escravagista brasileira no sec. XIX.
Sobre a relação do Brasil com a Inglaterra.

QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 15 hs
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PODE SER LIDO na escrivaninha e na cama. Exige um pouco de atenção, sendo inadequado para ser em ônibus/metrô ou em filas em pé.

O QUE ESTE LIVRO MAIS TRAZ PARA VOCÊ:
Mudança da visão sobre os costumes sexuais do sec. XIX.
Mudança da visão sobre a corrupção no Brasil.
Mudança da visão sobre o Império.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
público feminino (histórias de sexualidade e família): as paixões de Joaquim Nabuco; as histórias dos poemas picantes e das amantes de Penedo.
público masculino (poder, política e economia): histórias sobre a questão Christie, a questão religiosa e de corrupção.
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TRECHO

“A verdade é que a baronesa ia encontrar, graças a um esquecimento, as provas inegáveis da sua infelicidade conjugal. Encontrara em um gavetão do marido diversas fotografias de uma dama londrina, com as dedicatórias mais amorosas.

Esse acaso quase degenerou em tragédia. Houve uma ameaça de separação. As explicações do esposo convenceram mais ainda a pobre Baronesa de que se tratava de uma antiga amante. Se não fosse a mediação dos filhos, estaria desfeito o lar acolhedor.

Corria aliás em Londres que o ex-Ministro do Brasil tinha a sua garçonnière em nome de outro amigo, para salvar o decoro da representação. Depressa compreendera Penedo a extensão da hipocrisia inglesa que exigia a maior moralidade em público, deixando passar todos os excessos a portas trancadas.

E o Príncipe de Gales, o futuro Eduardo VII, era dos apreciavam a companhia de Penedo, fino, sarcástico, enamorado do belo sexo. Às vezes, o príncipe e o diplomata chagavam a combinar juntos excursões a Paris.”

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O Papa Negro, de João Machado Evangelho


EVANGELHO, João Machado. O Papa Negro. Rio de Janeiro: Fissus, 2003. 272p.
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ROMANCE DE IDÉIAS
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Depois de 26 anos de populismo externo e controle-de-ferro interno morreu o Papa João Paulo III. Os Cardeais escolheram um azarão para seu sucessor, o cardeal Francis Zamba da Nigéria. Que escolheu o nome de Pedro Paulo I.

O livro começa com a chegada de um idoso Cardeal ao Brasil. Dom João Sena vem reconciliar-se com seu passado. Não muito bonito: falou a favor do regime militar, perseguiu, reprimiu, censurou. Especialmente veio pedir perdão a quatro sacerdotes, aos quais perseguiu. Um está morto, o outro doente. A viúva do primeiro não perdoa. Um outro perdoa o cardeal.

A razão dessa reconciliação é que Dom João Sena prevê que o Papa Pedro Paulo I quer uma guinada na vida da Igreja católica, aproximando-a do mundo, tirando a limpo seu passado. Mas ou menos como o cardeal, em nível micro.

Romance-de-idéias, é o que é. Menos que os personagens, a trama e o cenário, importam as idéias. No caso, o jogo entre as idéias de reforma expressas pelo papa e contestadas pelos seus inimigos, capitaneados pelo cardeal Mário Luna, temido. No centro o cardeal brasileiro, de passado retrógrado e presente progressista. Os inimigos do Papa se articulam num movimento chamado Armagedon Final, que o ameaça de morte.

Tem tramas paralelas interessantes, como o romance entre os jornalistas brasileiros Ana Elisa e Júlio, que arrancaram um trabalho como enviados especiais a Roma e vivem juntos, ela atormentada por não ser casada legalmente. Um dos momentos mais ternos do livro está reproduzido abaixo, quando Ana Elisa se declara casada a Júlio, à sombra do Papa. Também interessa o reencontro de Dom João Sena com sua antiga namorada Norma. Outro ponto importante é o caso de amor entre o jovem padre brasileiro Guido e o burocrata Monsenhor Rinaldi, mostrando que a homossexualidade existe sim no Vaticano.

Essas tramas paralelas não são muito desenvolvidas. Importam mais os discursos de liberdade e abertura ao novo de Pedro Paulo I. Nem sequer é necessário decorar bem os nomes da maioria dos personagens. São pouco importantes em relação ao que dizem.

É um livro mais destinado a levantar perguntas sobre os dilemas da Igreja católica de hoje, sua oscilação entre a abertura e o fechamento, que a encantar o leitor pela trama. Também possibilita uma leitura de romance-à-chave: João Paulo III é João Paulo II; O cardeal Zamba seria o cardeal Arinze, também nigeriano e personagem importante da burocracia vaticana; o temível cardeal Luna seria o cardeal Ratzinger, ambos prefeitos da Congregação para a Doutrina da Fé (este livro foi publicado ainda no pontificado de João Paulo II). Os quatro padres perseguidos são alusão aos teólogos da Libertação.

Enfim, um livro que se presta aos que gostam de ler idéias sobre o assunto dilemas da Igreja católica de hoje.

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De leitor para leitor
Livro: O PAPA NEGRO, de João Machado Evangelho.
Assunto/Personagem Principal: O Vaticano no tempo de João Paulo II

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Aos curiosos sobre os dilemas da Igreja católica hoje.

Obs: A visão do autor é liberal. Pode interessar aos simpatizantes da Teologia da Libertação.
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O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Declarações sobre a necessidade da Igreja se reformular
A linguagem é bem tradicional
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QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 6 hs
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PODE SER LIDO na cama, no metrô/ônibus ou filas, pois não exige atenção muito aguçada.
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O QUE ESTE LIVRO MAIS TRAZ PARA VOCÊ:
Uma visão um tanto crítica do papado de João Paulo II
Um reforço aos que acham que a Igreja deve se transformar
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
público feminino (histórias de sexualidade e família): nenhuma. Ou só a história que é parcialmente transcrita abaixo.
público masculino (poder, política e economia): Nenhuma. Só mencionar a existência de resistências fortes à mudança dentro da Igreja..

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TRECHO:
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“Diante de um Julio boquiaberto Ana Elisa repetia a fór­mula do matrimônio tornando a Praça de São Pedro a maior catedral do mundo.
-Julio, eu te recebo como meu marido ...
Julio, desajeitado, não sabia repetir a fórmula. Ana Elisa o ajudou enquanto punha a aliança na mão esquerda dela.
- Você é louca! Nem a pedi em casamento!
- Julio, há meses que você não faz outra coisa!
- Estamos casados?
- Abençoados pelo Papa à sombra da basílica de São Pedro e bem debaixo da mais be1a manha romana.
- Você é louca!
Ana Elisa sabia o quanto seu matrimonio soava disso­nante com a comunhão sacramental da Igreja. Para ela, no entanto, essa era a sua Igreja que amaria para sempre. O Papa a perdoasse por roubar-lhe um pouquinho de sua benção. Queria apenas ser feliz com um pouquinho do coração de sua Igreja.”

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O NOBRE SEQÜESTRADOR, de Antônio Torres


TORRES, Antônio. O Nobre Seqüestrador. Rio de Janeiro: Record, 2003. 250pp.
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UM PIRATA VISTO POR SUAS VÍTIMAS
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Não tínhamos nada que gostar de René Duguay-Trouin. Que ele fez por nós, ou que ele fez da vida? Matou e roubou. Só. Claro, queriam matá-lo também mas isso faz parte da escolha da profissão de bandido. Mas era rico, tinha patente e financiamento. Portanto não era bandido, é o que ficou na história.
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E no entanto simpatizamos com ele. Por um profundo senso de inexistência própria, talvez. Narcisos sem espelho que só conseguem se reconhecer no olhar do outro, do que vem de fora. Mesmo que seja para roubar. Quase nos sentimos honrados daquele francês ter aparecido em 1711 para encher os bolsos.
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Antônio Torres conta essa história num livro fragmentado, onde o narrador começa por ser o próprio protagonista, torna-se o próprio autor, vai para a terceira pessoa e se transforma na própria cidade do Rio. O protagonista parece aqueles heróis de filme antigo. René Duguay-Trouin nasceu em Saint-Malo, ponta-de-lança dos corsários franceses mas nasceu destinado a ser padre ou professor. Chegado a espadas e garotas, não se tornou nem coisa nem outra.
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A família o manda ao mar, aproveitando uma das guerrinhas de Luís XIV. Ir ao Mar, leia-se, roubar ouro e parta que navios de outros países roubavam de outros continentes. E René Duguay-Trouin cumpriu bem sua função: matou vários que não conseguiram matá-lo. (Bem que tentaram). Roubou vários que não conseguiram impedi-lo. Escapou em lance-de-cinema da prisão dos ingleses, com ajuda de uma mulher apaixonada. E num lance de acuidade teve uma idéia: atacar o inimigo no baixo ventre. Onde ele não esperava. Nada de invadir Londres ou bloqueios em Hamburgo. Os outros já esperavam demais por isso. Atacá-los lá embaixo. No Rio. No Brasil.

Idéia certa na hora exata, teve o apoio rápido-como-raio de Luís XIV. A França estava mal obrigado, em guerra contra metade da Europa, os cofres do rei acumulando teias de aranha e os soldados e marinheiros sem ver dinheiro. E vem um sujeito querendo arriscar o próprio pescoço para saquear uma cidade lá longe. Ótimo. E no dia 12 de setembro de 1711 uma fila de dezoito navios de guerra encobertos pela neblina entra em fila pela barra da baía da Guanabara, surpreendendo os fortes. É o começo da guerra, a nossa guerra.

Pesquisa boa, informações curiosas de pouco acesso. Antônio Torres não se deu ao trabalho de criar personagens ficcionais. Que não fazem falta suplantados pela força das pessoas reais, a começar de René Trouin, que acrescentou por conta própria o Duguay par assim parecer mais nobre. Antônio Torres procura estabelecer paralelo entre a violência do pirata e os assaltos da cidade, que quando ele escrevia o livro sofria uma onda de seqüestros. É o ponto mais fraco do livro. De resto, bom entretenimento.




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De leitor para leitor (notas de 0 a 5)
Livro: O NOBRE SEQÜESTRADOR, de Antônio Torres.
Assunto/Personagem Principal: René Duguay-Trouin

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Curiosos sobre a história da cidade do Rio de Janeiro.
A quem gosta de histórias aventurosas, do tipo Filme de Piratas..
Obs: O Bicentenário em 1808 trouxe novo interesse sobre a história colonial. Pessoas que gostaram desses comemorações podem gostar deste livro..
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O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Curiosidades sobre a articulação entre a Europa e o Brasil; sobre a vida de Luís XVI; sobre a as guerras européias nos séculos XVI e XVII.
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QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 7 hs
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PODE SER LIDO na cama, no metrô/ônibus ou filas, pois não exige atenção muito aguçada. Eu o li na cama, na escrivaninha e numa mesa de um restaurante self-service.
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O QUE ESTE LIVRO MAIS TRAZ PARA VOCÊ:
mudança da visão do que foi a colonização européia.
Uma visão m ais realista do que está por trás das histórias de piratas..
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
público feminino (histórias de sexualidade e família): duas - a história da fuga dele de uma prisão inglesa, envolvendo uma História de amor; a história dele como arruaceiro que foi ao mar como castigo.
público masculino (poder, política e economia): a história detalhada da invasão do Rio de Janeiro, incluindo referências geográficas na cidade.
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TRECHO:
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“Quando tentava deter alguns com golpes de espada e de pistola, ouvi gritarem que estava pegando fogo no paiol dos armamentos. Desci e ordenei que trouxessem barris de granadas, que, como um selvagem, joguei lá no fundo da estiva sobre os homens para desalojá-los. Eles subiram um a um, ensangüentados, cheios de estilhaços e, com tapas e xingamentos, mandei-os de volta a seus lugares nos postos de combate.

Corri para a primeira bateria, dei uns tiros de canhão e saltei para o castelo de proa quando, com estupefação, vi o nosso pavilhão, a bandeira branca, jogada sobre as tábuas. Teria alguma bala cortado o seu mastro? Ou algum dos meus amedrontados homens havia feito aquilo? Dei ordens para reiçá-la. Meus oficiais suplicaram para que não fizesse isso. Seria uma violação das convenções de guerra reiniciar um combate depois de ter o pavilhão arriado. Impasse criado, ameacei condenar toda a tripulação à degola. Desesperado, hesitei. E fui abatido pelo ricochete de uma bala. Arriei. Como o nosso pavilhão.

Acordei num dos navios ingleses, o Monk. Mais precisamente: na cabine do seu comandante, Thomas Warren, que havia enviado uma canoa para buscar os oficiais franceses que ia fazer prisioneiros. Ao içar a bordo o comandante inimigo, viu com estupefação, muito emocionado, que aquele que estava ali na sua frente, desacordado, sem expressão, e que tanto combate dera a uma esquadra de seis navios, não passava de um jovem de vinte anos. Então Sir Thomas Warren ordenou:

- Quero que ele seja tratado como se fosse meu filho.”

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

A Serviço d´el Rey, de Autran Dourado


DOURADO, Autran. A Serviço d´el Rey. Rio: Record, 1984. 164pp.
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UM RETRATO SOTURNO DE JUSCELINO
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O autor insistiu e insiste, dentro e fora do livro: seu romance não é um romance-à-chave, a ser lido descobrindo-se qual pessoa real se encontra por trás dos nomes fictícios dos personagens. Mas a tentação é grande, talvez proposital por parte de Autran. Juscelino nomeou o então jovem autor para seu secretário de imprensa. Anos depois o já veterano escritor fez esta fábula sobre um escritor que se torna auxiliar direto de um presidente da República.
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João da Fonseca Nogueira pretende ser o maior escritor de sua geração. Mas essa ambição é nada diante da ambição de Saturniano de Brito. Serve-o desde prefeito. O livro começa com o senador Saturniano passando uma rasteira num seu antigo protetor político para assegurar a indicação à Presidência. Já a passara em muitos. Conseguiu ser Presidente, afinal. Levou seu assessor/escritor consigo. O livro conta as futricas e tricas de um grupo no poder.
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O livro interessa pelo quem-é-quem. A palavra ambição é pouco para descrever Saturniano. Tinha uma “quase erótica felicidade no exercício do poder” (p137). O erotismo não é metáfora. Distribuía cargos e arranjava amantes, freqüentemente fazia o primeiro para conseguir o segundo. Assim conseguiu o corpo da belíssima Juanita Flores, mulher do deputado Fontes Flores, alusão a Maria Lúcia Pedroso, a morena amante de Juscelino e esposa do deputado José Pedroso.
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Em torno de Saturniano voejava gente como seu assessor Quintiliano Dantas, poeta muito pouco dado ao estereótipo de poetapobre. Tinha dinheiro e queria mais, vendendo minério bruto aos gringos e de maneira geral servindo de ponte aos negócios deles no Brasil. É um retrato de Augusto Frederico Schmidt, poeta e dono da rede de supermercados Disco. O general Aurélio Miranda garantira a posse de Saturniano. Aurélio é o marechal Lott. Elvira era a rígida mãe de Saturniano, como Dona Júlia era a de Juscelino. Seu pai morrera quando este tinha quatro anos, como o pai de JK quando este tinha três. O Deputado Antunes de Souza é o irascível Carlos Lacerda. A capital se chama Nova Brasília.
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Mistura ficção e fatos históricos. Juscelino teve um infarto que ficou oculto. Saturniano teve um surto de psicose maníaco-depressiva. E seu assessor tenta esconder de todos, pois sabe que Antunes de Souza e os militares não o deixarão 48 horas no poder depois de o descobrirem. O novo Ministro da Marinha liga com a naturalidade de quem viu fantasma dizendo que tem de cancelar as manobras da esquadra porque o Presidente mandou um navio de cento e tantos metros subir o rio Piabanha, aquele riachinho canalizado em frente ao Museu Imperial em Petrópolis. O assessor em meio segundo percebe tudo, o homem está surtando de novo. Afirma enfático ao Ministro que aquilo com certeza foi um erro, e vai atrás do Presidente. Encontra o homem delirando, falando de volta da Monarquia. Dá-lhe umas pílulas para o surto e enquanto espera fazerem efeito o presidente delira e lhe aponta um revólver.

Já li que JK era maníaco-depressivo e na fase maníaca se aprontava, banho e roupa, em seis minutos. Ele teve surto? Seus surtos eram fortes assim? Juanita Flores tenta se suicidar. Sua sucedânea real tentou?

O livro traça um retrato soturno de Saturniano, um homem cujo sorriso é mais ambição que otimismo, e cujo idealismo consiste em gozar o prazer de mandar. Saturniano é Juscelino? Com certeza, mas até que ponto? É a chave do livro.
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De leitor para leitor (notas de 0 a 5)
Livro: A SERVIÇO D´EL REY, de Autran Dourado
Assunto/Personagem Principal: Juscelino Kubitschek

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Curiosos sobre JK, particularmente a quem quer criticá-lo. Mostra vários podres dele e de seu governo.
Quem procura linguagem literária inovadora: tem monólogos interiores bem-feitos, onde cita de Proust a Camões.
Obs: Para saber em parte qual a correspondência entre personagens reias e fictícios, o leitor deve conhecer outros livros sobre o governo JK ou pelo menos ter assistido á minissérie JK.
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O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Histórias para contar: o forte são as fofocas internas sobre o governo JK, e sobre a personalidade deste.
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QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 5 hs
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PODE SER LIDO na cama, no metrô/ônibus ou filas, pois não exige atenção muito aguçada.
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O QUE ESTE LIVRO MAIS TRAZ PARA VOCÊ:
mudança da visão de algumas coisas
histórias para contar: Histórias sobre JK e uma nova visão de seu governo e das pessoas que o compuseram.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
público feminino (histórias de sexualidade e família): história das amantes de JK
público masculino (poder, política e economia): histórias dos jogos de Juscelino para se manter no poder e as boas histórias sobre como escondiam os problemas de saúde dele.
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TRECHO:
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“O Presidente Saturniano só veio a tomar conhecimento da alarmante situação quando foi acordado certa madrugada pelo Ministro da Guerra, General Aurélio Miranda. Militar de figurino prussiano, disciplinado e disciplinador, autoritário, para ele qualquer arranhão na ordem pública era uma ameaça às Forças Armadas e à Segurança Nacional. Foi ele que possibilitara a posse de Saturniano de Brito e garantia a sua permanência no governo. Com certo ressentimento, o presidente o chamava de O Condestável da Prússia.”

GETÚLIO, de Juremir Machado da Silva


SILVA, Juremir Machado da. Getúlio (romance). Rio: Record, 2004. 430p.

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Um Presidente da República isolado em seu cargo. O cerco da imprensa, em quase unanimidade contrária. Uma elite desconfiada-e-meia deste Presidente. Os Estados Unidos mais desconfiados ainda. Um jornalista odiento. Um grupo de homens em torno do Presidente, não exatamente uns gentlemen, atraídos em parte por cargos e em parte por idéias. Um chefe da guarda fiel e perigoso como um cão. Um tiro no jornalista, que acaba por matar não ele mas um major seu guarda-costas.

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De tão repisada a opinião culta do país conhece essa história e reconhece Getúlio Vargas, o ex-ditador então transformado em alvo da opinião conservadora. A Ultima Hora como único jornal a seu favor. O jornalista Carlos Lacerda, que odiava Getúlio e possivelmente o resto do mundo. O chefe da guarda, Gregório Fortunato. O crime da rua Tonelero que fez mais um desses heróis que são heróis por minutos em vida para se transformarem em ícones depois, o major Rubens Vaz. Tudo isso é conhecido por livros de memórias, romances, reportagens investigativas, entrevistas de descendentes e comemorações de partidos que se dizem legatários da herança de Getúlio.

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O que é menos conhecido são os homens em torno de Getúlio e este é o ponto forte do livro. Euvaldo Lodi hoje só é conhecido como o nome de um instituto que arranja estágios em indústrias. Era um deputado riquíssimo, getulista, personagem importante do romance. O livro começa com ele, Benjamim Vargas e Lutero Vargas fazendo insinuações a Gregório sobre a conveniência de alguém matar Carlos Lacerda. Benjamim era irmão, Lutero era filho. A pesquisa detalhadíssima de Juremir nos faz saber que Lacerda era chamado de Corvo, e que o Corvo chamava Lutero de Corno porque o mesmo se separara da mulher. Sabemos que a mulher era alemã. Que Lutero se achava menosprezado pelo pai. E que foi acusado de ser mandante direto do crime.

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Os personagens às vezes falam sobre o passado, ponto forte e fraco do livro. Fraco porque duas pessoas falando detalhadamente de um passado que é pelas duas por demais conhecido prejudica a verossimilhança. Forte por que por essas conversas ficamos sabendo por exemplo da relação reta como uma serpente entre Getúlio e o general Góis Monteiro, e que o filho deste morreu quando treinava para ser piloto militar.

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Além dos personagens históricos há também os fictícios. Tércio Ramos, biógrafo de Getúlio que já no governo FHC discute o passado com uma senhora estrangeira antigetulista. E Paulo Amato, o virtual agente duplo que atiça os homens de Getúlio a matarem Lacerda.

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Mas o forte são os personagens reais e o livro recai no mesmo problema dos livros de história feitos por jornalistas, Eduardo Bueno, Fernando Morais e Zuenir Ventura à frente. A História como versão macro da Ilha de Caras: todos são ricos e famosos. Um assessor de Getúlio muito depois é pai do presidente do Banco Central, os demais são senadores, deputados, têm milhões na carteira. O homem e a mulher comum parecem ser penetras na História, se tanto.

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Ou não: o povo entra no final. Getúlio vivo era cachorro morto, Getúlio morto é herói dos pobres. O livro de Juremir não conta essa transformação. Concentra-se em como chegou ao tiro, e sobre as pessoas amigas e inimigas e as meio um meio outro que o levaram a isso.

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De leitor para leitor (notas de 0 a 5)

Livro: GETÚLIO, de Juremir Machado da Silva

Assunto/Personagem Principal: Getúlio Vargas

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:

  • Profissionais no personagem/período:
  • Curiosos sobre o personagem/período:
  • Amigos/inimigos do personagem/período:
  • Quem procura linguagem literária inovadora:

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1

4

4

0

Obs: Para profissionais o livro pode servir apenas para lembrar alguns episódios. Para curiosos, amigos e inimigos de Getúlio o livro informa bastante principalmente sobre o final de seu governo, e sobre as denúncias contra sua família. A linguagem do romance é tradicional.

O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:

  • Pesquisa detalhada
  • Histórias para contar
  • Dois lados do assunto
  • Linguagem literária inovadora

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5

4

2

0

Obs:A pesquisa é detalhadíssima e revela por exemplo que o filho de Getúlio (Getulinho) morreu de pólio e que sua esposa Darcy tinha deixado de sê-lo havia muito. O lado da oposição também mostrado, mas com pouco detalhe. Revela algo da vida de Carlos Lacerda.

QUANTIDADE DE HORAS DE LEITURA:

(devido à necessidade de escrever este comentário eu sempre leio fazendo anotações, mais devagar do que o normal)

12

ONDE É MELHOR SER LIDO:

  • Cama
  • Metrô/ônibus
  • Filas
  • Poltrona
  • Escrivaninha

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X

X

Obs: Requer um tantinho da atenção. A quantidade de personagens é grande. Quando o li no metrô precisei reler depois.

O QUE ESTE LIVRO TRAZ PARA VOCÊ:

  • distração quando o lê
  • lembranças depois de ler
  • mudança da visão de algumas coisas
  • histórias para contar

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4

4

3

4

Obs: Principalmente da metade para o fim dá vontade de ver como se chega ao desfecho que todos conhecem. Muda a visão do governo Getúlio. Passa-se a vê-lo como um governo cheio de reacionários e gente que dizia palavrão mas com algumas medidas progressistas. As histórias pessoais principalmente da família Vargas podem ser boas para se contar.

PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:

  • público feminino (histórias de sexualidade e família)
  • público infantil (aventuras e coisas da infância)
  • público masculino (poder, política e economia)

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2

0

4

Obs: o público feminino deve gostar da história de Virgínia Lane como amante de Getúlio. E que a esposa de Getúlio adorava Getulinho e que seu casamento entrou em crise com a morte deste. Sobre as outras amantes de Getúlio. O público masculino apreciará a trama entre Euvaldo Lodi, Mendes de Morais, Lutero e Benjamim Vargas para matar Lacerda.

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TRECHO:

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“Climério não responde. Afasta-se pela Hilário de Gouveia, na direção da praia. Passa por um Pontiac escuro. Lacerda e seu filho Sérgio, de 15 anos, depois de uma breve conversa com o motorista, descem do carro branco, estacionado no meio-fio, e não na rampa de acesso à porta do edifício, protegida por dois canteirinhos de flor, conforme as normas de segurança estabelecidas. Vêm de uma palestra no externato mariano São José, na Tijuca, onde o jornalista e candidato a deputado federal pela UDN repetira seus ferozes ataques aos Vargas.

- Esqueci a chave - diz Lacerda.

Pede a Sérgio que vá chamar o porteiro. O major-aviador Rubens Vaz, escalado para protegê-lo, num esquema de rodízio voluntário entre quatro amigos da FAB, despede-se. Alcino abotoa o jaquetão, avança uns vinte metros, atravessa a rua e, quando Carlos se dirige para a entrada da garagem, à direita do edifício Albervania, de número 180, dispara o seu Smith & Wesson 45. Passa da meia-noite. Já se está em 5 de agosto de 1954. O tiro ecoa nas ruas tranqüilas de Copacabana. Uma janela se abre. Lacerda dobra-se ligeiramente. Vaz, desarmado, contorna o pequeno veículo e enfrenta o pistoleiro. O combate é difícil Magro e escorregadio, Alcino tem a vantagem da arma na mão, mas Vaz é corajoso, forte, treinado, e tem a posição de ataque. Alcino dispara novamente. Caem. Mal se ergue, o pistoleiro atira mais uma vez. Outro tiro, vindo de outra posição, mais distante, da esquina da Hilário de Gouveia, arranca lascas do muro. Alcino foge para a Paula Freitas, que desemboca na Tonelero, no lado oposto ao da Hilário, uns trinta metros apenas do local de onde travou o seu combate com o homem de amarelo.

Há movimento na rua. Um carro aproxima-se. Carlos Lacerda ressurge e também atira, com seu 38, cano curto. Alcino já esta na Paula Freitas. Um guarda municipal, vindo do 4° DP, muito próximo dali, ordena que pare. O sangue ferve-lhe, embora se sinta gelado. Nada mais há a perder. O 45 pesa-lhe na mão. Derruba o policial com um tiro na coxa. A porta do táxi a sua espera, um Studebaker preto, não abre. Ele entra pelo vidro de trás e sussurra: “Pé na tabua." O motorista não o conhece, pois aguarda Climério, mas entende a situação e acelera. As balas do guarda Sálvio Romeiro atingem a traseira do veículo placa 5¬60-21. Nelson Raimundo acelera e eles se perdem no labirinto carioca. “