sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Um Diplomata na Corte de Inglaterra, de Renato Mendonça


MENDONÇA, Renato. Um diplomata na Corte de Inglaterra: o Barão do Penedo e sua época. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2006. IV + 444 p. (Edições do Senado Federal, vol. 74).

O diplomata Renato Mendonça escreveu este livro em 1942 para a lendária Brasiliana e de certa forma cumpre final do subtítulo, e sua época. Não por intenção mas pela própria trajetória do biografado. Francisco Inácio de Carvalho Moreira nasceu em 1815 numa cidade que a maioria dos brasileiros teria dificuldade de localizar no mapa, a alagoana Penedo. Filho de senhor de Engenho. Vai estudar direito nas recém-criadas Faculdades de Direito de Olinda e depois a de São Paulo. Seus colegas são João Maurício Vanderlei, Holanda Cavalcanti, Nabuco de Araújo, Sininbú, Otaviano... Alguns mineiros, um ou outro paulista, quase todos nordestinos, quase todos dependentes de vendas de açúcar, todos devendo sua riqueza aos negros que trabalhavam de graça para criá-la.

Elite pequena, o livro repete os mesmos nomes, ascendendo na hierarquia do Império. Tempo de um Brasil sem descendentes de migrantes, sem sobrenomes italianos ou alemães. Esse é um aspecto esquecido que o livro sublinha. E também nos lembra que essa elite açucareira e escravista constituía as pernas do trono. Quando elas pegaram cupim, o Imperador pegou o paquete para o exílio.

Um dos primeiros advogados formados no país, um dos fundadores da OAB, Carvalho Moreira casa-se na elite com Carlota Emília de Aguiar e Andrada, a Carlotinha, sobrinha de José Bonifácio. Elege-se deputado junto com quase todos os seus amigos mas passa pouco tempo. Logo o governo o nomeia embaixador nos Estados Unidos. Só voltaria a morar no Brasil 48 anos depois.

Nessa carreira diplomática passou por só três postos, dos quais dois por pouco tempo. Ele foi na prática nosso embaixador em Londres (na época esse cargo se dizia Ministro). Ficou lá até quase o fim do Império.

O maior mérito do livro é não esconder as partes cinzas do biografado. Os rapazes ricos e açucareiros e escraveiros que dominavam o Império gostavam de mulher, pagavam prostitutas. Carvalho Moreira escreveu um certo poema As idades da Mulher que desafiam a nossa idéia de que o pessoal de antigamente era puritano. Trecho:

Aos quinze anos é gentil cofrinho/que só se abre forçando a fechadura.
Aos vinte é a mulher mato espinhoso/onde entra o caçador fuzil armado.
Aos trinta é bocado mui gostoso/bem tenro e ao espeto preparado.

Traía Carlotinha. Guloso de mulher, era conhecido como o Leão do Rio. Teve filho fora do casamento.

O principal aspecto cinza não era esse. A embaixada em Londres por muito tempo acumulou a função de tesouraria fora do país. Tinha a função de contratar empréstimos externos. Função propícia para corruptos: muito dinheiro, que seria pago por outros, numa terra longe, com pouco controle. E Carvalho Moreira se tornou um deles. Temos que até ser gratos a Renato Mendonça por não ter escondido esse aspecto pouco nobre, apesar de tentar defender seu biografado. A cada dívida que ele negociava para o Brasil, ficava um pouco mais rico. O próprio biografado declarou ter embolsado duzentas mil libras em comissões.

Gastava o dinheiro promovendo jantares em sua mansão a que comparecia ninguém menos que o herdeiro da coroa, o Príncipe de Gales, o futuro Eduardo VII e bisavô da atual rainha. Também a mulher deste, a dinamarquesa Princesa Alexandra, por quem um rapazola especializado em amores platônicos caiu apaixonado, Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, o futuro lendário abolicionista Joaquim Nabuco. E tome príncipes e duques e aristocratas europeus comendo à custa de nosso diplomata. Na verdade, à nossa custa.

Ganhou do Imperador o título relativo à sua cidade natal, Penedo, hoje um belo lugar histórico. Já rico, enriqueceu mais com o cargo. Mas morreu pobre, diz Mendonça sem maiores provas.

Um retrato de época.

De leitor para leitor

Livro: UM DIPLOMATA NA CORTE DE INGLATERRA, de Renato Mendonça.
Assunto/Personagem Principal: Francisco Inácio de Carvalho Moreira, o Barão do Penedo

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Interessados na história do Império.
Interessados na história da Diplomacia Brasileira
Interessados na história das Finanças Brasileiras.
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O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Curiosidades sobre a elite escravagista brasileira no sec. XIX.
Sobre a relação do Brasil com a Inglaterra.

QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 15 hs
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PODE SER LIDO na escrivaninha e na cama. Exige um pouco de atenção, sendo inadequado para ser em ônibus/metrô ou em filas em pé.

O QUE ESTE LIVRO MAIS TRAZ PARA VOCÊ:
Mudança da visão sobre os costumes sexuais do sec. XIX.
Mudança da visão sobre a corrupção no Brasil.
Mudança da visão sobre o Império.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
público feminino (histórias de sexualidade e família): as paixões de Joaquim Nabuco; as histórias dos poemas picantes e das amantes de Penedo.
público masculino (poder, política e economia): histórias sobre a questão Christie, a questão religiosa e de corrupção.
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TRECHO

“A verdade é que a baronesa ia encontrar, graças a um esquecimento, as provas inegáveis da sua infelicidade conjugal. Encontrara em um gavetão do marido diversas fotografias de uma dama londrina, com as dedicatórias mais amorosas.

Esse acaso quase degenerou em tragédia. Houve uma ameaça de separação. As explicações do esposo convenceram mais ainda a pobre Baronesa de que se tratava de uma antiga amante. Se não fosse a mediação dos filhos, estaria desfeito o lar acolhedor.

Corria aliás em Londres que o ex-Ministro do Brasil tinha a sua garçonnière em nome de outro amigo, para salvar o decoro da representação. Depressa compreendera Penedo a extensão da hipocrisia inglesa que exigia a maior moralidade em público, deixando passar todos os excessos a portas trancadas.

E o Príncipe de Gales, o futuro Eduardo VII, era dos apreciavam a companhia de Penedo, fino, sarcástico, enamorado do belo sexo. Às vezes, o príncipe e o diplomata chagavam a combinar juntos excursões a Paris.”

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