terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O Papa Negro, de João Machado Evangelho


EVANGELHO, João Machado. O Papa Negro. Rio de Janeiro: Fissus, 2003. 272p.
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ROMANCE DE IDÉIAS
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Depois de 26 anos de populismo externo e controle-de-ferro interno morreu o Papa João Paulo III. Os Cardeais escolheram um azarão para seu sucessor, o cardeal Francis Zamba da Nigéria. Que escolheu o nome de Pedro Paulo I.

O livro começa com a chegada de um idoso Cardeal ao Brasil. Dom João Sena vem reconciliar-se com seu passado. Não muito bonito: falou a favor do regime militar, perseguiu, reprimiu, censurou. Especialmente veio pedir perdão a quatro sacerdotes, aos quais perseguiu. Um está morto, o outro doente. A viúva do primeiro não perdoa. Um outro perdoa o cardeal.

A razão dessa reconciliação é que Dom João Sena prevê que o Papa Pedro Paulo I quer uma guinada na vida da Igreja católica, aproximando-a do mundo, tirando a limpo seu passado. Mas ou menos como o cardeal, em nível micro.

Romance-de-idéias, é o que é. Menos que os personagens, a trama e o cenário, importam as idéias. No caso, o jogo entre as idéias de reforma expressas pelo papa e contestadas pelos seus inimigos, capitaneados pelo cardeal Mário Luna, temido. No centro o cardeal brasileiro, de passado retrógrado e presente progressista. Os inimigos do Papa se articulam num movimento chamado Armagedon Final, que o ameaça de morte.

Tem tramas paralelas interessantes, como o romance entre os jornalistas brasileiros Ana Elisa e Júlio, que arrancaram um trabalho como enviados especiais a Roma e vivem juntos, ela atormentada por não ser casada legalmente. Um dos momentos mais ternos do livro está reproduzido abaixo, quando Ana Elisa se declara casada a Júlio, à sombra do Papa. Também interessa o reencontro de Dom João Sena com sua antiga namorada Norma. Outro ponto importante é o caso de amor entre o jovem padre brasileiro Guido e o burocrata Monsenhor Rinaldi, mostrando que a homossexualidade existe sim no Vaticano.

Essas tramas paralelas não são muito desenvolvidas. Importam mais os discursos de liberdade e abertura ao novo de Pedro Paulo I. Nem sequer é necessário decorar bem os nomes da maioria dos personagens. São pouco importantes em relação ao que dizem.

É um livro mais destinado a levantar perguntas sobre os dilemas da Igreja católica de hoje, sua oscilação entre a abertura e o fechamento, que a encantar o leitor pela trama. Também possibilita uma leitura de romance-à-chave: João Paulo III é João Paulo II; O cardeal Zamba seria o cardeal Arinze, também nigeriano e personagem importante da burocracia vaticana; o temível cardeal Luna seria o cardeal Ratzinger, ambos prefeitos da Congregação para a Doutrina da Fé (este livro foi publicado ainda no pontificado de João Paulo II). Os quatro padres perseguidos são alusão aos teólogos da Libertação.

Enfim, um livro que se presta aos que gostam de ler idéias sobre o assunto dilemas da Igreja católica de hoje.

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De leitor para leitor
Livro: O PAPA NEGRO, de João Machado Evangelho.
Assunto/Personagem Principal: O Vaticano no tempo de João Paulo II

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Aos curiosos sobre os dilemas da Igreja católica hoje.

Obs: A visão do autor é liberal. Pode interessar aos simpatizantes da Teologia da Libertação.
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O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Declarações sobre a necessidade da Igreja se reformular
A linguagem é bem tradicional
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QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 6 hs
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PODE SER LIDO na cama, no metrô/ônibus ou filas, pois não exige atenção muito aguçada.
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O QUE ESTE LIVRO MAIS TRAZ PARA VOCÊ:
Uma visão um tanto crítica do papado de João Paulo II
Um reforço aos que acham que a Igreja deve se transformar
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
público feminino (histórias de sexualidade e família): nenhuma. Ou só a história que é parcialmente transcrita abaixo.
público masculino (poder, política e economia): Nenhuma. Só mencionar a existência de resistências fortes à mudança dentro da Igreja..

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TRECHO:
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“Diante de um Julio boquiaberto Ana Elisa repetia a fór­mula do matrimônio tornando a Praça de São Pedro a maior catedral do mundo.
-Julio, eu te recebo como meu marido ...
Julio, desajeitado, não sabia repetir a fórmula. Ana Elisa o ajudou enquanto punha a aliança na mão esquerda dela.
- Você é louca! Nem a pedi em casamento!
- Julio, há meses que você não faz outra coisa!
- Estamos casados?
- Abençoados pelo Papa à sombra da basílica de São Pedro e bem debaixo da mais be1a manha romana.
- Você é louca!
Ana Elisa sabia o quanto seu matrimonio soava disso­nante com a comunhão sacramental da Igreja. Para ela, no entanto, essa era a sua Igreja que amaria para sempre. O Papa a perdoasse por roubar-lhe um pouquinho de sua benção. Queria apenas ser feliz com um pouquinho do coração de sua Igreja.”

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