segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

GETÚLIO, de Juremir Machado da Silva


SILVA, Juremir Machado da. Getúlio (romance). Rio: Record, 2004. 430p.

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Um Presidente da República isolado em seu cargo. O cerco da imprensa, em quase unanimidade contrária. Uma elite desconfiada-e-meia deste Presidente. Os Estados Unidos mais desconfiados ainda. Um jornalista odiento. Um grupo de homens em torno do Presidente, não exatamente uns gentlemen, atraídos em parte por cargos e em parte por idéias. Um chefe da guarda fiel e perigoso como um cão. Um tiro no jornalista, que acaba por matar não ele mas um major seu guarda-costas.

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De tão repisada a opinião culta do país conhece essa história e reconhece Getúlio Vargas, o ex-ditador então transformado em alvo da opinião conservadora. A Ultima Hora como único jornal a seu favor. O jornalista Carlos Lacerda, que odiava Getúlio e possivelmente o resto do mundo. O chefe da guarda, Gregório Fortunato. O crime da rua Tonelero que fez mais um desses heróis que são heróis por minutos em vida para se transformarem em ícones depois, o major Rubens Vaz. Tudo isso é conhecido por livros de memórias, romances, reportagens investigativas, entrevistas de descendentes e comemorações de partidos que se dizem legatários da herança de Getúlio.

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O que é menos conhecido são os homens em torno de Getúlio e este é o ponto forte do livro. Euvaldo Lodi hoje só é conhecido como o nome de um instituto que arranja estágios em indústrias. Era um deputado riquíssimo, getulista, personagem importante do romance. O livro começa com ele, Benjamim Vargas e Lutero Vargas fazendo insinuações a Gregório sobre a conveniência de alguém matar Carlos Lacerda. Benjamim era irmão, Lutero era filho. A pesquisa detalhadíssima de Juremir nos faz saber que Lacerda era chamado de Corvo, e que o Corvo chamava Lutero de Corno porque o mesmo se separara da mulher. Sabemos que a mulher era alemã. Que Lutero se achava menosprezado pelo pai. E que foi acusado de ser mandante direto do crime.

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Os personagens às vezes falam sobre o passado, ponto forte e fraco do livro. Fraco porque duas pessoas falando detalhadamente de um passado que é pelas duas por demais conhecido prejudica a verossimilhança. Forte por que por essas conversas ficamos sabendo por exemplo da relação reta como uma serpente entre Getúlio e o general Góis Monteiro, e que o filho deste morreu quando treinava para ser piloto militar.

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Além dos personagens históricos há também os fictícios. Tércio Ramos, biógrafo de Getúlio que já no governo FHC discute o passado com uma senhora estrangeira antigetulista. E Paulo Amato, o virtual agente duplo que atiça os homens de Getúlio a matarem Lacerda.

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Mas o forte são os personagens reais e o livro recai no mesmo problema dos livros de história feitos por jornalistas, Eduardo Bueno, Fernando Morais e Zuenir Ventura à frente. A História como versão macro da Ilha de Caras: todos são ricos e famosos. Um assessor de Getúlio muito depois é pai do presidente do Banco Central, os demais são senadores, deputados, têm milhões na carteira. O homem e a mulher comum parecem ser penetras na História, se tanto.

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Ou não: o povo entra no final. Getúlio vivo era cachorro morto, Getúlio morto é herói dos pobres. O livro de Juremir não conta essa transformação. Concentra-se em como chegou ao tiro, e sobre as pessoas amigas e inimigas e as meio um meio outro que o levaram a isso.

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De leitor para leitor (notas de 0 a 5)

Livro: GETÚLIO, de Juremir Machado da Silva

Assunto/Personagem Principal: Getúlio Vargas

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:

  • Profissionais no personagem/período:
  • Curiosos sobre o personagem/período:
  • Amigos/inimigos do personagem/período:
  • Quem procura linguagem literária inovadora:

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Obs: Para profissionais o livro pode servir apenas para lembrar alguns episódios. Para curiosos, amigos e inimigos de Getúlio o livro informa bastante principalmente sobre o final de seu governo, e sobre as denúncias contra sua família. A linguagem do romance é tradicional.

O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:

  • Pesquisa detalhada
  • Histórias para contar
  • Dois lados do assunto
  • Linguagem literária inovadora

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Obs:A pesquisa é detalhadíssima e revela por exemplo que o filho de Getúlio (Getulinho) morreu de pólio e que sua esposa Darcy tinha deixado de sê-lo havia muito. O lado da oposição também mostrado, mas com pouco detalhe. Revela algo da vida de Carlos Lacerda.

QUANTIDADE DE HORAS DE LEITURA:

(devido à necessidade de escrever este comentário eu sempre leio fazendo anotações, mais devagar do que o normal)

12

ONDE É MELHOR SER LIDO:

  • Cama
  • Metrô/ônibus
  • Filas
  • Poltrona
  • Escrivaninha

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X

X

Obs: Requer um tantinho da atenção. A quantidade de personagens é grande. Quando o li no metrô precisei reler depois.

O QUE ESTE LIVRO TRAZ PARA VOCÊ:

  • distração quando o lê
  • lembranças depois de ler
  • mudança da visão de algumas coisas
  • histórias para contar

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3

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Obs: Principalmente da metade para o fim dá vontade de ver como se chega ao desfecho que todos conhecem. Muda a visão do governo Getúlio. Passa-se a vê-lo como um governo cheio de reacionários e gente que dizia palavrão mas com algumas medidas progressistas. As histórias pessoais principalmente da família Vargas podem ser boas para se contar.

PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:

  • público feminino (histórias de sexualidade e família)
  • público infantil (aventuras e coisas da infância)
  • público masculino (poder, política e economia)

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Obs: o público feminino deve gostar da história de Virgínia Lane como amante de Getúlio. E que a esposa de Getúlio adorava Getulinho e que seu casamento entrou em crise com a morte deste. Sobre as outras amantes de Getúlio. O público masculino apreciará a trama entre Euvaldo Lodi, Mendes de Morais, Lutero e Benjamim Vargas para matar Lacerda.

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TRECHO:

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“Climério não responde. Afasta-se pela Hilário de Gouveia, na direção da praia. Passa por um Pontiac escuro. Lacerda e seu filho Sérgio, de 15 anos, depois de uma breve conversa com o motorista, descem do carro branco, estacionado no meio-fio, e não na rampa de acesso à porta do edifício, protegida por dois canteirinhos de flor, conforme as normas de segurança estabelecidas. Vêm de uma palestra no externato mariano São José, na Tijuca, onde o jornalista e candidato a deputado federal pela UDN repetira seus ferozes ataques aos Vargas.

- Esqueci a chave - diz Lacerda.

Pede a Sérgio que vá chamar o porteiro. O major-aviador Rubens Vaz, escalado para protegê-lo, num esquema de rodízio voluntário entre quatro amigos da FAB, despede-se. Alcino abotoa o jaquetão, avança uns vinte metros, atravessa a rua e, quando Carlos se dirige para a entrada da garagem, à direita do edifício Albervania, de número 180, dispara o seu Smith & Wesson 45. Passa da meia-noite. Já se está em 5 de agosto de 1954. O tiro ecoa nas ruas tranqüilas de Copacabana. Uma janela se abre. Lacerda dobra-se ligeiramente. Vaz, desarmado, contorna o pequeno veículo e enfrenta o pistoleiro. O combate é difícil Magro e escorregadio, Alcino tem a vantagem da arma na mão, mas Vaz é corajoso, forte, treinado, e tem a posição de ataque. Alcino dispara novamente. Caem. Mal se ergue, o pistoleiro atira mais uma vez. Outro tiro, vindo de outra posição, mais distante, da esquina da Hilário de Gouveia, arranca lascas do muro. Alcino foge para a Paula Freitas, que desemboca na Tonelero, no lado oposto ao da Hilário, uns trinta metros apenas do local de onde travou o seu combate com o homem de amarelo.

Há movimento na rua. Um carro aproxima-se. Carlos Lacerda ressurge e também atira, com seu 38, cano curto. Alcino já esta na Paula Freitas. Um guarda municipal, vindo do 4° DP, muito próximo dali, ordena que pare. O sangue ferve-lhe, embora se sinta gelado. Nada mais há a perder. O 45 pesa-lhe na mão. Derruba o policial com um tiro na coxa. A porta do táxi a sua espera, um Studebaker preto, não abre. Ele entra pelo vidro de trás e sussurra: “Pé na tabua." O motorista não o conhece, pois aguarda Climério, mas entende a situação e acelera. As balas do guarda Sálvio Romeiro atingem a traseira do veículo placa 5¬60-21. Nelson Raimundo acelera e eles se perdem no labirinto carioca. “

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