sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O NOBRE SEQÜESTRADOR, de Antônio Torres


TORRES, Antônio. O Nobre Seqüestrador. Rio de Janeiro: Record, 2003. 250pp.
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UM PIRATA VISTO POR SUAS VÍTIMAS
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Não tínhamos nada que gostar de René Duguay-Trouin. Que ele fez por nós, ou que ele fez da vida? Matou e roubou. Só. Claro, queriam matá-lo também mas isso faz parte da escolha da profissão de bandido. Mas era rico, tinha patente e financiamento. Portanto não era bandido, é o que ficou na história.
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E no entanto simpatizamos com ele. Por um profundo senso de inexistência própria, talvez. Narcisos sem espelho que só conseguem se reconhecer no olhar do outro, do que vem de fora. Mesmo que seja para roubar. Quase nos sentimos honrados daquele francês ter aparecido em 1711 para encher os bolsos.
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Antônio Torres conta essa história num livro fragmentado, onde o narrador começa por ser o próprio protagonista, torna-se o próprio autor, vai para a terceira pessoa e se transforma na própria cidade do Rio. O protagonista parece aqueles heróis de filme antigo. René Duguay-Trouin nasceu em Saint-Malo, ponta-de-lança dos corsários franceses mas nasceu destinado a ser padre ou professor. Chegado a espadas e garotas, não se tornou nem coisa nem outra.
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A família o manda ao mar, aproveitando uma das guerrinhas de Luís XIV. Ir ao Mar, leia-se, roubar ouro e parta que navios de outros países roubavam de outros continentes. E René Duguay-Trouin cumpriu bem sua função: matou vários que não conseguiram matá-lo. (Bem que tentaram). Roubou vários que não conseguiram impedi-lo. Escapou em lance-de-cinema da prisão dos ingleses, com ajuda de uma mulher apaixonada. E num lance de acuidade teve uma idéia: atacar o inimigo no baixo ventre. Onde ele não esperava. Nada de invadir Londres ou bloqueios em Hamburgo. Os outros já esperavam demais por isso. Atacá-los lá embaixo. No Rio. No Brasil.

Idéia certa na hora exata, teve o apoio rápido-como-raio de Luís XIV. A França estava mal obrigado, em guerra contra metade da Europa, os cofres do rei acumulando teias de aranha e os soldados e marinheiros sem ver dinheiro. E vem um sujeito querendo arriscar o próprio pescoço para saquear uma cidade lá longe. Ótimo. E no dia 12 de setembro de 1711 uma fila de dezoito navios de guerra encobertos pela neblina entra em fila pela barra da baía da Guanabara, surpreendendo os fortes. É o começo da guerra, a nossa guerra.

Pesquisa boa, informações curiosas de pouco acesso. Antônio Torres não se deu ao trabalho de criar personagens ficcionais. Que não fazem falta suplantados pela força das pessoas reais, a começar de René Trouin, que acrescentou por conta própria o Duguay par assim parecer mais nobre. Antônio Torres procura estabelecer paralelo entre a violência do pirata e os assaltos da cidade, que quando ele escrevia o livro sofria uma onda de seqüestros. É o ponto mais fraco do livro. De resto, bom entretenimento.




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De leitor para leitor (notas de 0 a 5)
Livro: O NOBRE SEQÜESTRADOR, de Antônio Torres.
Assunto/Personagem Principal: René Duguay-Trouin

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Curiosos sobre a história da cidade do Rio de Janeiro.
A quem gosta de histórias aventurosas, do tipo Filme de Piratas..
Obs: O Bicentenário em 1808 trouxe novo interesse sobre a história colonial. Pessoas que gostaram desses comemorações podem gostar deste livro..
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O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Curiosidades sobre a articulação entre a Europa e o Brasil; sobre a vida de Luís XVI; sobre a as guerras européias nos séculos XVI e XVII.
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QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 7 hs
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PODE SER LIDO na cama, no metrô/ônibus ou filas, pois não exige atenção muito aguçada. Eu o li na cama, na escrivaninha e numa mesa de um restaurante self-service.
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O QUE ESTE LIVRO MAIS TRAZ PARA VOCÊ:
mudança da visão do que foi a colonização européia.
Uma visão m ais realista do que está por trás das histórias de piratas..
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
público feminino (histórias de sexualidade e família): duas - a história da fuga dele de uma prisão inglesa, envolvendo uma História de amor; a história dele como arruaceiro que foi ao mar como castigo.
público masculino (poder, política e economia): a história detalhada da invasão do Rio de Janeiro, incluindo referências geográficas na cidade.
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TRECHO:
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“Quando tentava deter alguns com golpes de espada e de pistola, ouvi gritarem que estava pegando fogo no paiol dos armamentos. Desci e ordenei que trouxessem barris de granadas, que, como um selvagem, joguei lá no fundo da estiva sobre os homens para desalojá-los. Eles subiram um a um, ensangüentados, cheios de estilhaços e, com tapas e xingamentos, mandei-os de volta a seus lugares nos postos de combate.

Corri para a primeira bateria, dei uns tiros de canhão e saltei para o castelo de proa quando, com estupefação, vi o nosso pavilhão, a bandeira branca, jogada sobre as tábuas. Teria alguma bala cortado o seu mastro? Ou algum dos meus amedrontados homens havia feito aquilo? Dei ordens para reiçá-la. Meus oficiais suplicaram para que não fizesse isso. Seria uma violação das convenções de guerra reiniciar um combate depois de ter o pavilhão arriado. Impasse criado, ameacei condenar toda a tripulação à degola. Desesperado, hesitei. E fui abatido pelo ricochete de uma bala. Arriei. Como o nosso pavilhão.

Acordei num dos navios ingleses, o Monk. Mais precisamente: na cabine do seu comandante, Thomas Warren, que havia enviado uma canoa para buscar os oficiais franceses que ia fazer prisioneiros. Ao içar a bordo o comandante inimigo, viu com estupefação, muito emocionado, que aquele que estava ali na sua frente, desacordado, sem expressão, e que tanto combate dera a uma esquadra de seis navios, não passava de um jovem de vinte anos. Então Sir Thomas Warren ordenou:

- Quero que ele seja tratado como se fosse meu filho.”

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