quarta-feira, 1 de abril de 2009

Voar - histórias da aviação... - de João Ricardo Penteado


PENTEADO, João Ricardo. VOAR – histórias da aviação e do pára-quedismo civil brasileiro. São Paulo: SENAC, 2001. 222p.

Livro-testemunho: propõe-se a contar histórias sobre uma atividade humana antes que os que protagonizaram essas histórias não possam mais contá-las. O instrutor de pára-quedismo João Ricardo Penteado tem quatro mil saltos no seu currículo. Começa pelos pioneiros, os grandes brasileiros que ensinaram o mundo a voar, Bartolomeu de Gusmão e o inevitável Alberto Santos –Dumont.

O livro cresce de originalidade na segunda parte, quando conta histórias de pessoas, algumas conhecidíssimas pelo pequeno círculo de quem voa, mas desconhecidíssimas para a maioria de nós. Quem já ouviu falar de Alberto Bertelli? Ou de Coaracy Oliveira? No entanto esses dois foram os maiores pilotos de acrobacia, davam nós nos seus aviõzinhos que davam inveja a mosquitos. Ou de Zayra, garota bonita que escandalizou as freiras ao usar calça comprida e voar? Foi uma das primeiras mulheres brasileiras a pilotar.

O autor divide a narrativa em blocos, tendo a própria vida como alinhavo muito solto. De menino apaixonado por aviões, depois empregado da VARIG. Depois o afastamento e reencontro com o céu, dessa vez sem motor, pelas sedas dos pára-quedas. Mas o mais interessante são as histórias dos outros. Até humorísticas, como do aluno de pára-quedismo que teve medo de saltar e só largou do avião por cansaço de segurar lá em cima, matou duas galinhas ao aterrissar e nunca mais quis saber de saltos na vida. Ou a história de Joãozinho, piloto que levava mercadoria para garimpeiros e se orientava pelos rios da Amazônia. Devia descer no quarto afluente de um grande rio. Mas o afluente não aparecia. Estava perdido. Gasolina no fim, tinha de descer na floresta. Ou no rio, como pilotos perdidos fazem. Mas não sabia nadar. Desceu nas copas das árvores,e ficou pendurado 50 metros acima do solo. O livro vira suspense, só que real.

O livro também desmistifica uma idéia que geralmente se tem, a de que militar igual a nacionalista. O autor relata como ele e outros amigos tentaram criar uma indústria brasileira de pára-quedas. E essa boa idéia foi torpedeada por militares e também civis com interesse que o Brasil continuasse importando pára-quedas. Retórica patrioteira não é nacionalismo. Coisa de não pouca monta. O Brasil é o segundo maior mercado de pára-quedas do mundo.

Enfim o livro também acompanha o pára-quedismo de uma atividade romântica feita com amor para a condição de negócio. Como tudo. E a nave vai.

DE LEITOR PARA LEITOR
Livro: VOAR - histórias da aviação e do pára-quedismo civil brasileiro, de João Ricardo Penteado.
Assunto/Personagem Principal: pára-quedismo e aviação civis.

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Interessados em histórias de aviação
Pára-quedistas e pilotos

O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Histórias de acidentes
Histórias de pioneiros aéreos
Histórias de gente interessante e pouco conhecida
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QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 7 hs
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PODE SER LIDO no metrô/ônibus, ou em filas. Não demanda muita atenção, embora em certos pontos de pico das histórias de acidentes eu tenha relido várias vezes para me assegurar dos detalhes.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
público feminino (histórias de sexualidade e família): muito pouco. Só a história das primeiras aviadoras mulheres.
público masculino (poder, política e economia e aventura): muita aventura de viagem e selva e acidentes.
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TRECHO

“Pensei numa fração de segundo: "Estamos mortos!". Era um sentimento tão definitivo que é impossível descrevê-lo. Eu nunca sentira nada igual, e nem poderia imaginar que alguém pudesse sentir aquilo. Estava além do medo, e me deixava abso­lutamente só com o meu destino. Olhei então para o Mauricio Vo1cov, que estava com os olhos colados em mim, e em seguida para a jane1a do Cessna. Ele pareceu compreender o que eu queria dizer, e, sem que tivéssemos trocado uma só palavra, fi­cou também de joe1hos, dobrou o corpo e começou a sair pela janela. Lembro-me de ter ajudado a empurrar as suas pernas, que ficaram entaladas, para fora do avião.
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Depois foi a minha vez, mas o Cessna girava tanto agora que eu sentia a minha cabeça bater varias vezes no teto, e por um momento pensei que fosse perder os sentidos. Também não acreditei que conseguisse sair pela janela. Mas não havia outra saída. A única era aquela, o único caminho da vida. Coloquei então a cabeça para fora e dei um grande impulso com o tron­co. Fui saindo com a sensação de estar escapando de dentro de um liquidificador mortal. Fora da cabine, percebi que o avião estava caindo em posição de faca. Gatinhei pela lateral dele até a altura do montante, e, entre este, e motor, saltei.” (p214)