sexta-feira, 20 de março de 2009

PARATY - encantos e malassombras, de Tom e Thereza Maia

MAIA, Tom, e Maia, Thereza. Paraty – encantos e malassombras. Guaratinguetá, SP: editora dos autores, 2005. 176p.

Você pode passar sozinho, madrugada alta, em frente à igreja de Santa Rita. Vai se surpreender de encontrá-la cheia. “Uma missa à essa hora”, você pensará. Você terá o mau senso de ficar. Você verá a missa terminar, e uma procissão será organizada. As pessoas sairão. Engraçado, quando uma multidão passa a gente sempre sente certa vibração no solo. Mas essas pessoas são tão leves. Nada vibra. Cruz à frente, a multidão sai. Em frente à igreja, uma praça. Além da praça, o mar. Passam a praça, sujam os pés na areia da praia. Você espera o momento em que a procissão se desviará. As pessoas continuam. Molham os pés, continuam entrando. E entram e entram. E fileira após fileira entram no mar e desaparecem.

É a procissão dos afogados.

O casal Maia já revirou Paraty em vários livros, mostrando uma cidade além dos cartões-postais. Este livro não fala só de fantasmas. Também trata de festas tradicionais e passeios ecológicos. Mas o forte são as histórias do outro mundo. Como a do Cabeção, que atormenta a esquina da Santa Casa e do qual só se pode fugir correndo de costas, ou a do jornalista que todas as tardes joga o molho de chaves sobre uma mesa e começa a escrever. Eles nos trazem a sensação de um mundo antes da TV, quando as histórias de aparições eram o sabor das noites. São sem trocadilho a alma daquele lugar.

De leitor para leitor
Livro: PARATY – encantos e malassombras, de Tom e Thereza Maia
Assunto/Personagem Principal: a cidade de Paraty

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Adolescentes de certa cultura
Quem gosta de contar um causo à moda antiga
Apaixonados por Paraty

O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Histórias de fantasma
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QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 4 hs
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PODE SER LIDO na cama, no ônibus, no metrô. Não exige muita concentração.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
público feminino (histórias de sexualidade e família): Muitas histórias de fantasmas. Talvez seja um livro mais para este público.
público masculino (poder, política e economia): O mesmo. Homens também podem gostar de um causo.
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TRECHO

“Na rua da Ferraria, que hoje se chama Comendador Jose Luiz,. em casa de família tradicionalmente cat6lica, uma menina loura e de olhos azuis aparece vez por outra, nos mais diferentes horários. Demonstra certa preferência pela sala de jantar.

Um religioso, que dirigia um orfanato na cidade paulista de Guaratinguetá, tinha o costume de trazer seus meninos para banhos de mar em Paraty, várias vezes hospedando-se nessa casa da rua da Ferraria.

Em certa oportunidade, o religioso indagou à dona da casa por que ela ainda não lhe havia apresentado aquela linda menina loura que costumava estar com ele na sala de jantar.

Como resposta, soube que na casa não morava nenhuma menina loura. Tratava-se, sim, de uma aparição constante, todos ignorando quem teria sido a bela menina loura, de olhos azuis, que ainda hoje ali teima em ´viver´.” (p116)

quarta-feira, 18 de março de 2009

A FERROVIA DO DIABO, de Manoel Rodrigues Ferreira


FERREIRA, MANOEL RODRIGUES. A Ferrovia do Diabo. São Paulo: Melhoramentos, 2005. 398p.

O colonialismo nasce de uma contradição: a superioridade de um povo/religião/tecnologia sobre outro e a necessidade de guiá-lo a um estágio superior. Para um grupo afirmar sua diferença, precisa se afastar. Para guiar outro, precisa aproximar-se dele. Esse choque nunca foi tão concreto como na história de uma ferrovia relativamente pequena hoje demolida situada nas franjas do Brasil e que ligava dois rios e dos quais tirou o nome.

A história da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré é tão inverossímil que só poderia ter sido inventada por um péssimo romancista. Um rio gigante, massa de água a cortar o centro da selva, chamado rio Madeira. O rio ainda com o nome de Guaporé desliza tranqüilo homens e barcos. Em certo momento, pula, e pula de novo e de novo. 400 quilômetros de cachoeira. Depois tranqüiliza, estrada líquida até o Atlântico. Dois países, Brasil e Bolívia, um com suas desprezadas bandas ocidentais e outro com suas desprezadas bandas orientais a dependerem de uma melhoria nesta passagem das cachoeiras para permitir tráfego para o oceano. No meio do século XIX alguém vem com a idéia: as mercadorias percorreriam o trecho encachoeirado de trem. Depois seriam embarcadas de novo em navios.

Só um problema: o lugar. Desconhecido ao completo: índios e piuns e carapanãs e cobras e anofelinos e a princesa e arquiduquesa e por que não verdadeira rainha do lugar, sua majestade a Malária. A selva naqueles tempos sem motosserra nem criação extensiva de gado apertava os rios e os homens. Data de 1722 a primeira passagem documentada, pelo lendário homem de meia-idade major Francisco de Melo Palheta, o homem que trouxe o café ao Brasil. Desde então mercadorias passavam, não sem algumas se perderem, e homens conduziam barquinhos pelas corredeiras, não sem alguns repousarem para sempre no fundo de pesadelos líquidos que ganhavam o nome de salto do Teotônio ou Caldeirão do Inferno.

Mas o surrealismo veio com a ferrovia. Engenheiros passavam apressados pelo rio, davam rápidas olhadelas no horizonte e faziam projetos que para serem obras de ficção bastava apenas o título. Com base em projetos onde só não se sabia a extensão, o terreno, as doenças os índios os riscos e os custos, homens eram jogados na selva. Começou em 1872. A Europa regurgitava de dinheiro e precisava aplicá-lo, mesmo em ferrovias que ninguém sabia com razoável segurança onde ficavam. Quatro construtoras tentaram. Nenhuma conseguiu, sendo que as duas últimas tiveram o talvez bom senso de sequer tentar com seriedade. O dinheiro não dava, o terreno cedia, os estômagos logo enjoavam de tanto comer conserva. Mas isso não seria nada se dentro de alguns dias o trabalhador não sentisse um forno na cabeça, de febre. Depois vinha a paralisia, começando pelas pernas e comendo o homem aos poucos. Era o que os gringos engenheiros chamavam de blackwater fever e que os romanos acharam que vinha de um ar mau, daí mal-aria. De cada dez homens, três morriam. Mais ainda ficavam inutilizados e as construtoras os demitiam.

O boom das bicicletas exigiu borracha, aquela região tinha muita e ressuscitou o interesse pela ferrovia, esporeado por uma guerra que trouxe o Acre ao Brasil. Num contrato que foi uma rosácea de roubos a construção acabou ficando com a figura sinistra do quase dono do Brasil, o multimilionário ianque Percival Farquhar. Em 1907 ele ganhou a concorrência através de um laranja. Ganhou muito dinheiro com a Madeira-Mamoré. Nunca teve a curiosidade de fazer turismo no local, entretanto. Mandou outros. Sua construtora logo se rendeu à realidade: os homens duravam três meses, não mais. Depois disso a maior parte estava inutilizada, outros já tinham escolhido as margens do Madeira como sua residência eterna. A solução era trazer mais gente. E vinham, em média 500 por mês, doentes novos que vinham substituir os doentes velhos.

E a ferrovia avançou, por quase 400 quilômetros e cinco anos. Ironia das ironias, quando concluída seu interesse tinha diminuído muito. A borracha baixara de preço e novas ferrovias chilenas e argentinas puxavam o tráfego boliviano para seus países. E ficou a ferrovia, até que o governo militar mandou liquidá-la, arrancar seus trilhos, queimar seus arquivos e vender as locomotivas como sucata. Felizmente o jornalista Manoel Rodrigues Ferreira pôde escrever este livro antes.

Hoje, gente interessada em preservação da história tenta salvar o que resta da Ferrovia, em grande parte motivados por este livro. Quanto às cachoeiras do Madeira, novos governos, novos empreiteiros a desejarem novos lucros querem afogá-las debaixo de barragens, uma obra denunciada como nova irresponsabilidade, dessa vez ecológica.

Fica a lição: o desconhecimento. Homens de fora, desinteressados na terra, colonizadores, a quererem lucro com ela. E a sofrerem ou fazer peões sofrerem a sua suave vingança, quer esta venha por febre alta ou algum desastre da ecologia.

De leitor para leitor
Livro: A FERROVIA DO DIABO, de Manoel Rodrigues Ferreira
Assunto/Personagem Principal: Estrada de Ferro Madeira-Mamoré

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Curiosos sobre história da Amazônia
Interessados em histórias de viagens e aventuras
Quem gosta em geral de trens

O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Uma história bem seqüenciada, com poucos saltos.
Muita aventura de gente cortando mata virgem a facão
Escândalos financeiros
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QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 15 hs
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PODE SER LIDO na escrivaninha, ocasionalmente na cama. Exige certa atenção.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
público feminino (histórias de sexualidade e família): muito pouco
público masculino (poder, política e economia): muita aventura de viagem e selva. Muitas revelações sobre como se fazem obras e contratos no país.
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PONTO FRACO:
O autor perde algumas dez páginas teorizando as causas do desenvolvimento industrial, o que não cabe num trabalho destes.



TRECHO

“Em Londres, todos os passos da operação financeira haviam sido minuciosamente estudados. Nenhum detalhe fora omitido. Tudo, mas sobre a operação financeira, bem entendido. Porque do terreno onde seria construída a ferrovia ninguém sabia nada. Absolutamente nada. Ninguém, até aquele momento, havia percorrido o terreno adjacente às cachoeiras, em toda a sua extensão, a fim de ao menos o conhecer superficialmente. Ninguém sabia o que se escondia atrás da pujante floresta amazônica que se divisava das cachoeiras do Madeira. Não se sabia se era terreno montanhoso, plano e enxuto, ou alagado. A ignorância sobre a zona que a ferrovia deveria atravessar era completa. Não se sabia nem qual a extensão ao menos aproximada que teria a futura estrada de ferro. Nenhum engenheiro boliviano ou brasileiro fora chamado para opinar sobre a construção. E naquele mês de janeiro de 1872, tudo na praça de Londres estava concluído, para ser dado início aos trabalhos da construção.” (p80)

sexta-feira, 13 de março de 2009

Narrativa de Serviços no Libertar-se o Brasil da Dominação Portuguesa - de Thomas Cochrane


COCHRANE, Thomas John. Narrativa de Serviços no Libertar-se o Brasil da Dominação Portuguesa. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003. 276 p. (Edições do Senado Federal, vol. 16).

UM QUASE ESTUDO SOBRE A AVAREZA

Este não é um livro de memórias, é uma fatura. Uma conta apresentada para pagamento. Se quisermos ser chulos, uma choradeira por dinheiro. Nossas crianças na escola aprendem que um certo Lord Cochrane ajudou Dom Pedro I na Independência, comandando navios. Não são avisados de que ele veio aqui apenas fazer dinheiro, e fez muito, e por toda a vida quis mais.

Thomas John Cochrane nasceu em 1775 na Escócia. Era também Conde de Dundonald , Barão de Paisley e de Ochiltree. Com dezoito anos entrou na Marinha inglesa. Brigou com seus superiores, perdeu o emprego. O azar foi sua sorte. Passou a alugar seus talentos de matador marinho a quem pagasse mais. E havia mercado. Lá longe na América do Sul colônias exploradas até a última gota queriam virar países. E tão exploradas eram que sequer tinham marinheiros, tendo de contratar guerreiros pagos. E lá foi ele. Matou espanhóis a mando dos peruanos e chilenos nas lutas de independência desses países.

Ainda era empregado dos chilenos quando soube da grande oportunidade. Um príncipe europeu depois de longa hesitação tinha decidido fazer um reino próprio na América. Precisava combater os inimigos dessa idéia. Para isso precisava de uma Marinha. E para comandá-la precisava de um Almirante.

Cochrane exigiu condições de príncipe, e cada promessa a mais vaga era cobrada por ele com liquidez de um cheque. Pagamento do salário de almirante; salário de primeiro almirante, título que não existia, criado só para ele; indenização pelo que perdera ao deixar seu emprego na Marinha do Chile; a totalidade dos barcos apreendidos, a serem divididos entre ele e os marinheiros; as mercadorias nos respectivos barcos; as mercadorias que apreendera em terra; bônus por serviços extras que alegara ter feito; terras que lhe dessem renda para manter as honras adequados ao título de Marquês do Maranhão, que lhe fora concedido; pensão pelo resto da vida, inclusive para sua mulher. E nada, literalmente nenhum centavo foi esquecido. Escreveu esse livro em 1859, muitos anos depois dos fatos, às vésperas de morrer, para pedir dinheiro.

Entre uma ou outra reclamação sobre dinheiro o livro dá informações preciosas sobre nossa independência. Como Dom Pedro inicialmente era pouco mais que governador do Rio; o conflito entre os Andradas e seus inimigos; a importância que o Maranhão tinha no contexto da época; o bloqueio ao porto de Salvador e as razões do dois de julho, que na Bahia é considerado o dia da Independência. Claro, tudo isso a ser cotejado com outras fontes a distinguir o que é fato do que é interesse do nosso Almirante de fazer dinheiro. O livro elogia os Andradas, talvez porque os Andradas fossem a favor dele, e os inimigos dos Andradas o vissem com suspeição. O Maranhão é muito elogiado talvez para sustentar seus pedidos de prêmio por ter garantido a permanência desta província no Império.

Não recomendo o livro para quem quer ler por diletantismo, por diversão. Dois tipos de público ganham com a leitura deste livro: (a) fanáticos por história do Brasil, particularmente de sua independência; (b) interessados em psicologia, para conhecer um caso quase cômico de obsessão por dinheiro.

A propósito, seus herdeiros receberem muito do que ele pleiteou, depois de sua morte. No Brasil os estrangeiros sempre são bem remunerados.

DE LEITOR PARA LEITOR

Livro: Narrativa de Serviços no Libertar-se o Brasil da Dominação Portuguesa, de Thomas John Cochrane.
Assunto/Personagem Principal: Thomas John Cochrane.

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Interessados na história da Independência do Brasil.
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O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Fatos pouco conhecidos sobre as lutas que se seguiram à Independência do Brasil.
Histórias por trás de certos fatos e personagens bem conhecidos, como José Bonifácio e o dois de julho na Bahia e a conquista do Maranhão.

QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 12 hs
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DEVE SER LIDO em escrivaninhas, poltrona ou na cama. Exige alguma atenção.

O QUE ESTE LIVRO MAIS TRAZ PARA VOCÊ:
Uma visão nova de como sem deu a Independência.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
Público feminino (histórias de sexualidade e família): quase nada
Público masculino (poder, política e economia): histórias de marinha; histórias sobre as batalhas da guerra de Independência.

TRECHO

“Viu Sua Majestade Imperial que, sem armada, o desmembramento do Império – pelo que respeitava às províncias do Norte – era inevitável; e a energia do seu Ministro Bonifácio em preparar uma esquadra, foi tão louvável quanto o havia sido a sagacidade do Imperador em determinar que ela se criasse. Entrou-se com entusiasmo numa subscrição voluntária: bandos de artífices correram aos arsenais; a única nau de linha no porto requeria quase ser de todo reconstruída; mas o tripular de maruja nativa esse e outros vasos prestáveis era cousa impossível – havendo sido política da mãe pátria o fazer até o comércio de cabotagem por meio exclusivamente de portugueses, nos quais o Brasil agora não se podia fiar para a luta que se aproximava com os compatriotas dos mesmos.” (p36)

terça-feira, 10 de março de 2009

O Brazil Acreano, de Antônio José Souto Loureiro

LOUREIRO, Antônio José Souto. O Brazil Acreano: scenas de uma épocha. Manaus: Ed. do autor, 2004. 175p.

O Acre dava lucro. Certo, existiu a chamada Revolução Acreana, a figura cômica de Luiz Galvez e a figura heróica de José Plácido de Castro. Mas alguém colocou esses heróis lá. Alguém que desejava dinheiro. O Acre foi formalmente arrancado à Bolívia em 1903. No ano seguinte a União organizou formalmente o novo território em três prefeituras. Um certo general subiu o rio Purus, depois o afluente Iaco e fundou a sede de uma das prefeituras, com o nome de um herói da guerra do Paraguai que nunca suspeitou que o Acre existia chamado Sena Madureira.

O médico e membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas Antônio José Souto Loureiro nos traz a história dos inícios do município de Sena Madureira através de uma fonte única, os jornais da cidade, especialmente o Brasil Acreano. A ligação do autor com as fontes não é só intelectual. É neto de Antônio Pinto do Areal Souto, cearense de Independência e poeta, num Acre em que mais da metade da população era de cearenses, um fato incomum considerando-se os cinco mil quilômetros de distância entre os dois lugares.

Treinados para o autodesencanto, desconhecemos as pessoas interessantes que viveram neste país. Este livro revela um, o capitão Samuel Barreira Cravo, prefeito interino de Sena Madureira e homem que já em 1909 reuniu congresso para diversificar a economia da Amazônia e estudar de perto a concorrência da borracha plantada no Ceilão. O governo federal não fez nada e quando um par de anos depois o preço despencou, declarou-se surpreso. Surpresa nada, inoperância sim.

O Acre e Sena Madureira podem hoje ser fins-de-mundo. Não o eram. Em 1910 a cidade tinha a mesma renda per capita da Bélgica. Mil quilos de borracha valiam vinte quilos de ouro. A cidade financiava o resto do país. O governo só gastava na cidade um oitavo do que arrecadava lá. O resto – quase tudo – ia para Rio e São Paulo.

A guerra valeu o gasto: de 1904 a 1909 os impostos arrecadados quase igualaram os gastos do governo com o Acre, incluindo pagamentos à Bolívia, despesas com tropas e indenizações diversas. Guerras são de honra, religião e raça. Para uso externo. Na prática, guerras são Money. E a guerra do Acre deu muito dinheiro. Como sempre, para poucos. Mas o dinheiro que fixou era suficiente para financiar advogados, jornais e poetas em número estratosférico para cidade tão pequetita. O poeta Quintino Cunha e o intelectual Soares Bulcão trabalharam por lá. José Pedro Soares Bulcão é pai da atriz Florinda Bolkan.

Um pequeno livro que revela um microcosmo de nosso país. Oriundo de uma fonte só, e este é o seu senão: baseia-se quase que exclusivamente em jornais. Mas um livro a ser lido por quem se interessa pela aventura amazônica.







DE LEITOR PARA LEITOR

Livro: O Brazil Acreano: scenas de uma épocha, de Antônio José Souto Loureiro.
Assunto/Personagem Principal: Sena Madureira, cidade do Acre na época do ciclo da borracha.

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Acreanos.
Pessoas interessados na história do Acre.
Interessados no ciclo da borracha.
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O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Fatos pouco conhecidos sobre a riqueza do tempo da borracha.
Conflitos e revoltas virtualmente desconhecidos.
Nomes de pessoas que tiveram destaque noutros estados, na nossa história, e estavam lá presentes.

QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 6 hs
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DEVE SER LIDO em escrivaninhas, poltrona ou na cama. Exige alguma atenção.

O QUE ESTE LIVRO MAIS TRAZ PARA VOCÊ:
Uma visão nova da região Norte, como região que teve muita riqueza.
Nova visão da imprevidência do Estado brasileiro, na questão da borracha.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
Público feminino (histórias de sexualidade e família): quase nada
Público masculino (poder, política e economia): histórias sobre o esplendor da Borracha.


TRECHO

“A paz interna foi restabelecida, no dia 25 de agosto de 1909, ao menos temporariamente, coma auspiciosa notícia de que a borracha atingira o admirável preço de 11$300, por quilograma, prometendo não parar por aí, o que de fato aconteceria, até abril de 1910, face à especulação altista das bolsas de Londres e Nova Iorque, fomentadas pelo governo inglês, para arrecadar os capitais necessários ao fortalecimento das plantações do Oriente.” (p27)

sexta-feira, 6 de março de 2009

Cuiabá - paisagens e espaços da memória, de Sônia Regina Romancini.


ROMANCINI, Sônia Regina. Cuiabá – paisagens e espaços da memória. Cuiabá: Cathedral publicações, 2005. (Coleção Tibanaré, vol 6). 176p.

Um livro sobre a história urbanística de Cuiabá pode nos ensinar a enxergar algo melhor em todas as cidades? Ou em nossa vida pessoal? É livro que se pode dizer despretensioso. Historia a capital do Mato Grosso, depois escolhe pontos significativos dela e prossegue baseado em pesquisas sobre como os habitantes locais percebem a mutação de seu espaço.

Cuiabá nasceu singular. De um riacho acarpetado de pó de ouro que um certo paulista descobriu em 1719. À beira do riacho nasceu uma povoação e uma igreja, de São Benedito, até hoje existente. Depois a estagnação econômica, fazendo-a por séculos parecer uma aldeia do Minho. No começo do século XX, o afrancesamento, as lojas de nome parisiense. As boas famílias e a ocupação social dos espaços públicos. Pelo meio do século, a prioridade desta nova engenhoca, o automóvel. A falta de esgoto transformando os riachos em esgotos, inclusive o riacho fundador. As autopistas ocupando as margens de rios impermeabilizando o solo e aumentando a temperatura. A prioridade da multiplicação de capital destruindo os prédios antigos e aumentando os gabaritos. O conforto dos automóveis exigindo mais asfalto e aumentando mais ainda a temperatura, junto com arrancamento de árvores. A população se fechando em casa e abandonando os espaços públicos, tomados por camelôs e doados pelo poder público a diversos fins particulares e governamentais. Finalmente a revalorização dos cacos do que restou, com a criação de centros históricos, leis de tombamento e centros culturais.

Podia ser a história de qualquer cidade do país. Somos muito parecidos. Ridiculamente parecidos. E não só as cidades. O trecho citado abaixo explica bem. Somos todos iguais, movidos a Macdonald’s e subordinados a juros de banco, todos nós, homens e cidades. A recente busca do passado é uma busca da singularidade. A história do riacho Prainha que em meio século se transformou de riacho fundador em esgoto soterrado sob uma avenida de pista quádrupla é a mesma história do Anhangabaú paulista, do Carioca do Rio, do Pajeú de Fortaleza, qualquer. E a busca da singularidade pode ser perigosa. Pode ser: sou singular porque sou branco / por que sou católico / por que sou negro / por que sou gaúcho. A singularidade pode ser excludente.

A prioridade a uma minoria da população que detém poder político e tem dinheiro para conseguir recursos muitas vezes públicos para construir prédios; a manipulação dos recursos públicos para construir infra-estrutura para esse lucro pessoal; o desrespeito ao não possuidor de carro, obrigado a se apertar em calçadas esburacadas; a privatização do lazer e dos espaços de convivência, tudo o que vemos está sempre ali, em microcosmo. Livro quase para especialistas mas que pode ter leitura ampla para quem se interessa pela cidade onde mora.

DE LEITOR PARA LEITOR

Livro: Cuiabá: paisagens e espaços da memória, de Sônia Regina Romancini.
Assunto/Personagem Principal: Cuiabá – sua história urbana.

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Mato-grossenses.
Pessoas interessados na história de Cuiabá.
Interessados na evolução urbana das grandes e médias cidades brasileiras.
Interessados no efeito dos automóveis e da especulação imobiliária nas cidades.
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O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Uma evolução histórica bem delineada.
Opiniões populares sobre esta evolução.

QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 6 hs
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DEVE SER LIDO em escrivaninhas, poltrona ou na cama. Exige alguma atenção.

O QUE ESTE LIVRO MAIS TRAZ PARA VOCÊ:
Possibilidade de fazer paralelos com a evolução da sua cidade.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
Público feminino (histórias de sexualidade e família): sobre a piora na qualidade de vida das grandes cidades e perda dos laços afetivos de vizinhança.
Público masculino (poder, política e economia): histórias sobre a própria evolução urbana e a especulação imobiliária.

TRECHO

“Numa abordagem sobre a memória das cidades, Abreu salienta que, ante os acontecimentos do século XX, com os progressos técnicos e científicos, as guerras, a fome, entre outros, as sociedades buscam novas visões de mundo, vivendo mais o presente, desconfiando do futuro e revalorizando o que construíram em tempos passados

Segundo Abreu, ante a homogeneidade do espaço global, cada lugar procura na singularidade a sobrevivência e a individualidade, sob esse aspecto:

O passado é uma das dimensões mais importantes da singularidade. Materializado na paisagem, preservado em ‘instituições de memória’, ou ainda vivo na cultura e no cotidiano dos lugares, não é de se estranhar, então, que seja ele que vem dando o suporte mais sólido a essa procura de diferença.” (p58)

terça-feira, 3 de março de 2009

PANTANAL - Gente, tradição e história, de Augusto César Proença.

PROENÇA, Augusto César. Pantanal: gente, tradição e história. 3ª Ed. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 1997. 168p.

O pesquisador corumbaense Augusto César Proença nos traz um livro de nome inadequado. Não se trata de um ensaio amplo sobe o pantanal mato-grossense. Melhor seria chamá-lo uma história afetiva de uma parte do Pantanal, e da família que o ocupou, a família do autor.

O livro se divide em duas partes. A primeira, até a pg. 59, é uma rápida história Standand de Mato Grosso. A segunda parte é melhor.

O Pantanal não é uno. Divide-se em nomes quase humorísticos, como o pantanal de Barão de Melgaço, ou o de Nagileque. Noutros países as pessoas são imortalizadas por seus sobrenomes. Já o seu Nheco nunca imaginou que seu nome seria esquecido, mas seu apelido entraria para a geografia: pantanal da Nhecolândia.

Região maior que Sergipe. Seu Nheco foi o dono dela, inteirinho, de 1880 a 1909. Mas não se o pense como um coronel clássico e aí vem o interesse do livro. A história da Nhecolândia começou com a chegada de um certo português Leonardo Soares de Souza em 1769. Fracassou nos negócios e pediu terra. Terra era muita, não valia nada. Por muito tempo ninguém imaginaria em colocar hotéis ecológicos num lugar que ninguém chamava então de paraíso da natureza. Era só terra de tuiuiús, jacarés e outros bichos que não serviam para nada, boa apenas para criar gado extensivo. E o preço da carne rastejava, quase zero. Seu genro João Pereira Leite fundou a Fazenda Jacobina, quase auto-suficiente, visitada pelo estrangeiro Hercules Florence em 1827.

João Pereira Leite abrigou o Dr. Sabino, revoltoso derrotado da República Bahiense, e esta amizade com um inimigo do Imperador lhe tirou o Baronato.

João Pereira Leite só tinha uma filha. E essa fugiu com Joaquim José Gomes da Silva, um caixeiro-viajante filho de um padre. Mesmo casados, tiveram de morar longe. Conseguiram terras – as terras não valiam nada. O Imperador tornou Joaquim José Gomes da Silva o Barão de Vila Maria, atual cidade de Cáceres. Até que veio esse desastre conhecido como Guerra do Paraguai. Todo mundo afrouxou. Os comandantes de Corumbá e do Forte de Coimbra fugiram dos paraguaios. O mesmo fez o nosso Barão, que fugiu para o Rio.

Morreu e seu filho Joaquim Eugênio Gomes da Silva sem dinheiro subiu os rios em barcos movidos a um pau que bate no fundo do rio chamado zinga e alguns índios e a esposa atrás dos restos da fazenda do pai. Encontra e funda a Fazenda Firme. Chama uns parentes, dá terras. A carne de gado era tão barata que eles vendiam só o couro para os comerciantes estrangeiros em Corumbá, para comprarem tecidos e o pouco que não produziam. Era uma vida difícil, até pelos ataques das onças.

A pobreza espalhou uma família por um território maior que Sergipe e que ganhou não o nome de Joaquim Eugênio, mas seu apelido: seu Nheco.

Os grandes ausentes dos livros são os índios. Será que a Nhecolândia era realmente vazia de gente? Não havia um ser humano lá? Nesse, caso, qual a atitude da família do autor diante deles?

O livro resgata um tempo em que a terra só tinha valor de uso, não valor de troca. O mesmo para a carne. Assim alguém dono de terras do tamanho de um estado era bem menos rico que se pensaria. E O autor menciona a solidariedade entre todos, naquele tempo. Quando o preço da carne subiu, a solidariedade sumiu. Sic Transit.


De leitor para leitor

Livro: Pantanal: gente, tradição e história, de Augusto César Proença.
Assunto/Personagem Principal: parte do Pantanal Mato-grossense – a Nhecolândia.

PARA QUEM ESTE LIVRO INTERESSA MAIS:
Mato-grossenses e sul-mato-grossenses.
Muito interessados em história do Pantanal..
Historiadores marxistas procurando exemplos em que sua teoria se encaixa.
É livro para pessoas com interesse específico na região ou para fanáticos por história do Brasil (caso deste resenhista)
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O QUE VOCÊ PODE ESPERAR DESTE LIVRO:
Boas histórias da vida tradicional no Pantanal.

QUANTIDADE DE HORAS DE ENTRETENIMENTO: 4 hs
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PODE SER LIDO em ônibus/metrô ou em filas em pé. É livro para ler rápido.

O QUE ESTE LIVRO MAIS TRAZ PARA VOCÊ:
Informação sobre o Pantanal no século XIX.
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PÚBLICO PARA AS HISTÓRIAS QUE VOCÊ CONTARÁ:
público feminino (histórias de sexualidade e família): sobre os perigos que as crianças corriam no mato. Sobre a fuga de uma moça e um rapaz para casar escondido do pai.
público masculino (poder, política e economia): histórias sobre a economia da época, a chegada dos grandes comerciantes a Corumbá e a evolução familiar da região.


TRECHO


“Daí chegou a vez do Lopes, que retirou a camisa e, por detrás de uma forquilha que um pé de maminha de porco formava, abanou a camisa feito toureiro e desafiou a onça a partir em cima dele. A fera atacou, mas teve o azar de esbarrar na forquilha que protegia o vaqueiro. Armou o pulo. Ficou de pé e abraçou a forquilha e a camisa xadrez que o vaqueiro lhe abanava para dar tempo de, entre os dois paus da forquilha, bem no rumo do coração, enfiar a faca com toda a raiva daquele momento, para que a fera abraçasse e cravasse a lâmina no fundo do peito, soltando um só gemido e caindo de lado para estrebuchar e receber as mordidas dos cachorros, estatelada naquele chão manchado de sangue” (p112).